quinta-feira, novembro 30

NÃO ESQUECI DA MINHA CALOI

Descobri a cura definitiva para a depressão: andar de bicicleta. É impossível ficar deprimido e andar de bicicleta ao mesmo tempo. Assim como correr também, mas correr requer um certo esforço, força de vontade, até que os batimentos cardíacos se estabilizem e a corrida fique macia e prazerosa, e força de vontade não é exatamente o forte de um deprimido. Mas andar de bicicleta é mais ou menos como voar, se sobe em cima da magrela e já se está em pleno clímax. Um deprimido não olha para um Nike Air com a mesma cobiça com que olha para uma Caloi. É só começar a pedalar e, como num passe de mágica, as chateações vão ficando pelo caminho, e quando você volta, as chateações ainda estão no mesmo lugar, mas não mais deprimem, só chateiam. É, porque eu só me permito ficar deprimido com um motivo bem claro e específico. Esse negócio de ficar deprimido sem motivo algum é coisa de gente metida a besta.

sábado, novembro 25

INFERNAL AFFAIRS

Estava deprimido hoje, com chateações que me farão tomar decisões que irão gerar novas chateações, aí comecei a tentar tocar na minha gaita de boca, ou nas minhas gaitas, pois tenho várias de todos os tipos e tamanhos, o "Going Home", que é uma coisa assim meio "Summertime", mas trata-se de como ficou conhecido o Segundo Movimento da Nona Sinfonia de Dvorak (Largo). Como sempre, não consegui juntar três notas seguidas, não sei como diabos alguém consegue tocar algo nessa coisa. À noite, depois do trabalho, não fui pro Burburinho, não estava a fim de ver e falar com seres humanos de verdade. Fui ver o "The Departed", os infiltrados de Scorcese. É bom, deve levar um Oscar pelo menos de montagem. Por coincidência, a umas horas tantas lá do filme, eles tocam com gaita de fole, aquelas dos escoceses de saiote xadrez, o "Going Home". E eu, que sempre me gabo de ficar no cinema até o final dos créditos, resolvi ficar nesse também, pra não acontecer o que aconteceu em São Paulo: por alguma razão obscura, ou por razão nenhuma, o que é pior, eu saí do "X-Men III" antes do final dos créditos e no outro dia estava todo mundo falando da última cena no final dos créditos. Quase que eu volto pra assistir de novo, mas verei no dvd. Esse filme não tinha cara de quem ia fazer ceninhas surpresas no final dos créditos, mas eu queria ver como eles iriam creditar, se "Going Home" ou Segundo Movimento da Nona Sinfonia de Dvorak (nota-se que eu não tinha muita coisa pra fazer depois do filme). Pois não creditaram nem de uma maneira e nem de outra: botaram Quinta Sinfonia de Antonin Dvorak. Quinta?!? Martin Scorcese já foi mais cuidadoso. Duvido que isso acontecesse com Kubrick. Fiquei deprimido de novo. Ah, fiquei sabendo também o título do livro no qual foi baseado o filme, que é o mesmo título desse post.

quinta-feira, novembro 23

BODY AND SOUL

A força de uma idéia que atravessa os séculos. A menina morreu de puro platonismo, platonismo de Platão mesmo, da própria fruta, fonte original, direto da fábrica ao consumidor. Anorexia é só o nome científico-burocrático. É provável que, entre uma checada na balança e uma olhada na revista Caras, ela nunca tenha lido Platão, mas a idéia de dicotomia entre corpo e alma subsiste eternamente, infiltrado nas entranhas do nosso subconsciente através da teologia cristã, que bebeu e se embriagou nos gregos. Chegamos ao cúmulo do absurdo nas querelas teológicas da Idade Média, onde se pretendia calcular quantas almas poderiam caber na cabeça de um alfinete e qual era o sexo dos anjos, daí a expressão que significa discussões inúteis. Os judeus (com a sugestiva exceção dos fariseus) nunca tiveram esse problema, eles simplesmente não criam em vida pós-morte, daí nos Dez Mandamentos o castigo de quebrá-los ser aplicado nos filhos dos infratores até a terceira ou quarta geração, e não em uma sobrevida espiritual. Voltaire dizia que temos que nos conformar em não poder entender o que é a alma, porque que quando estamos com fome as idéias nos vão faltando, e quando nos alimentamos, elas voltam. A menina pensou que poderia viver, no caso literalmente, só de beleza, alimentos eram apenas um estorvo e um atraso de vida, um mero empecilho no caminho da sublimação estética total e radical. Morreu de involuntário equívoco filosófico.



P.S.:Fiz uma charge sobre isso que era uma modelo magérrima segurando um frango assado numa mão e um crânio a la Hamlet na outra, e pensando: -Comer ou não comer, eis a questão.
O editor geral e o chefe de redação já tinham ido embora e o editor da primeira página ficou com receio de causar alguma polêmica e sobrar pra ele, no caso, o lado mais fraco. Me pediu pra dar uma mãozinha pra ele e bolar outra charge, qualquer uma, por exemplo, faz aí uma com o Náutico. Eu fiz. Passaram o dia todo mandando e-mails e ligando pra redação, enchendo o meu saco, do chefe de redação e do editor-geral.

quarta-feira, novembro 22

PADECER NO PARAÍSO

http://jc.uol.com.br/jornal/charge.php?dth=2006-11-17



Sua charge de hoje, dia 17/11/06 foi no mínimo de mal gosto com a torcida do náutico, não sei qual clube o sr simpatiza, (provavelmente a "coisa") mas o sr como jornalista deveria ser no mínimo, neutro, imparcial!

Sugiro que no domingo o sr repita a charge, desta vez com o timbú metendo o remo na cabeça do "fantasma" ( já que não poderia publicar uma com o timbú enfiando o remo no cú do mesmo!)




Prezado Miguel,

Gosto de suas charges, mas a de hoje (17/11) não teve a menor graça. Só deve ter feito rir, os torcedores rubros negros, pois, às vésperas de um jogo que pode definir uma vaga do Náutico para serie A, um desenho como este, parece ser mais uma provocação. E, pelo que sei um jornal, como o JC não deve ter como leitores, apenas torcedores do Sport.

Além do mais, pelo que entendo, não há qualquer semelhança entre o jogo de amanhã e a partida de 2005, contra o Gremio:

1) No jogo contra o Grêmio, o adversário era um time de tradição e campeão mundial. Amanhã estará em campo o time do Ituano (que tem média de 300 pessoas por jogo, em seu estádio);

2) O Grêmio precisava do resultado (pelo menos o empate) para se classificar para a primeria divisão, ao contrário do Ituano, que não se classifica nem com a vitória e não tem a mínima chance de cair para terceira divisão;

3) O jogo contra o Grêmio era o último da competição. A última chance. Este, contra o Ituano é apenas decisivo para uma antecipação de classificção do Náutico - pois mesmo perdendo o time pernambucano poderá se classificar, caso o Coritiba e o Paulista não vençam seus jogos - ou mesmo, em caso de derrota, poderá buscar a classificação no jogo seguinte, na mesma situação;

4) O Náutico de 2005 tinha um time muito bom. O de 2006 tem um ótimo elenco;

5) O Náutico de 2006 tem um treinador experiente no banco;

6) Em 2006 o Náutico tem um aproveitamento de 87%, nos jogos, nos Aflitos, enquanto este aproveiramento em 2005 era de 65%.

7) Havia um clima de guerra em 2005, pelo que os torcedores do Grêmio fizeram com a delegação timbu (e até com o Santa Cruz), no jogo do quadrangular, em Porto Alegre. O clima agora é de festa e total otimismo.

8) Em 2005, só tínhamos Kuki para fazer gols. Hoje, o baixinho divide a responsabilidade de balançar as redes adversárias com Netinho e Felipe.

Por isto, lamento que tenha despendido seu dote artístico, num trabalho meramente provocativo à torcida timbu. A admiração que eu tinha pelos seus trabalhos, infelizmente, diante do mau gosto da última obra, perdeu o encanto. A torcida alvirrubra merecia, o mínimo de respeito.

Boa tarde e saudações alvirrubras.



Eu, como jornalista, sou neutro e imparcial. Mas também sou bem-humorado. Já fiz várias charges esse ano satirizando a queda do Santa Cruz para a Segunda Divisão. E, se você como alvirrubro, for na butique da sede do Náutico, verá que está à venda, ou pelo menos esteve durante um bom tempo, uma camisa com uma charge minha ridicularizando a perda do hexa do Sport e enaltecendo o proverbial "Hexa é luxo" do Náutico. Me pediram permissão para reproduzir em camisas e eu dei, inclusive eu mesmo comprei uma numa banca de revistas e costumava usar. Portanto, tratemos futebol como deve ser tratado, como esporte e diversão, e não como religião.

Grande abraço e parabéns pela conquista,
M.

Caro Miguel, obrigado pela atenção e desculpe as palavras despolidas, motivadas por um sentimento de revolta momentâneo.

Entendo que o sr quis fazer humor, e o momento era propício, isto até em parte deve ter ferido os brios dos jogadores, o que em tese seria um handcap a mais para nossa equipe. Só que mexeu muito "na ferida" (ainda não cicatrizada) de uma imensa torcida já por demais sofrida com tantos revezes, justo na véspera de um jogo decisivo! Se fosse de um jornal "de fora" ficaríamos chateados, mas entenderíamos, mas nunca em se tratando de um jornal da terra!

Naquela circunstância, este tipo de humor eu denominaria HUMOR NEGRO! (Tipo aquele em que se disse que a direção do Santa Cruz iria comprar jatos Legacy para ver se os jogadores acertavam o "GOL"...) Mas, tudo bem vivemos num país democrático, com liberdade de imprensa, e o sr tem o poder da caneta (ou seria do lápis?) nas mãos... (Como é dito num comercial de bebidas:) Use com moderação...rs

Ví a charge do dia 18/11/06 e o verdadeiro papel da imprensa de Pernambuco foi restabelecida: Incentivar as equipes locais! Mesmo que em caso de fracasso, depois se "baixe a lenha", como o sr mesmo disse: satirizou a queda do Santa e a perda do hexa do sport, mas se o sr publicasse na véspera do jogo que o sport perderia o hexa, uma charge com a referência, os rubronegros iriam pedir tua cabeça, se bem conheço os bastidores de futebol!

Deixe para nós, simples torcedores, a rivalidade e as alfinetadas! Para a imprensa que lida na área esportiva, tenho certeza da grande importância de ter duas equipes de nosso estado na primeira divisão, pena o Santa Cruz ter caído!

Mesmo assim, sua resposta, denota a preocupação com seus leitores, e mesmo tendo sido "mal criado" pelo motivo alegado anteriormente, fui respeitado e "ouvido", no que aproveito e me desculpo novamente.

Saudações "alvirrubras"! rs!

A única razão pela qual a charge teria graça seria exatamente de a ferida ainda não ter cicatrizado. Se aquele jogo contra o Grêmio não tivesse mais nenhuma importância no inconsciente coletivo dos alvirrubros, a charge seria inócua e vazia. Quanto ao verdadeiro papel da imprensa de Pernambuco, ou de qualquer outro estado, talvez seja incentivar os times locais, no que há controvérsia, mas não se deve confundir a coluna de charge com o corpo editorial do de um jornal. Um jornal comunica fatos de modo objetivo e impessoal, o chargista se baseia nesses fatos para fazer humor, seja ele humor negro ou branco. Eu não posso, não devo e não quero deixar só para os torcedores as alfinetadas! Eu não sou "imprensa esportiva", eu sou um chargista. O Náutico tinha a fama de nadar, nadar e morrer na praia. Isso é, ou pelo menos era, um fato. Se o Sport tivesse a fama de sempre perder o hexa, eu publicaria tranqüilamente uma charge sartirizando isso na véspera do jogo, pois estaria baseado em fatos. No mais, devemos tolerar o humor contra nosso time com a mesma espirituosidade com a qual fazemos humor contra o time adversário.

Grande abraço e longa vida na Primeira Divisão!

Miguel:

1º Na verdade te parebenizo pelo trabalho anterior, também comprei uma camisa com a referida charge de 2001. Parabéns por aquele trabalho.

Obrigado.

2º Fica dificil para alguém que se coloca como neutro pedir que os apaixonados sejam neutros.

Não peço neutralidade, só senso de humor, sem o qual a vida se torna impossível.

Ora, caro jornalista vc têm noção do tamanho do sofrimento causado aos alvi-rubros por aquele jogo que, ainda bem, foi exorcizado.Vc têm noção da quantidade de pessoas socorridas.Vc têm noção dos traumas causados a tantos.Outra coisa antes de ser jornalista, tu "tinha" time, religião, partido politico, opção sexual, preferência alimentar etc.Esqueçer o que somos fica dificil.

Continuo tendo, mesmo depois de me tornar jornalista. Mas acho que a única razão para a existência do meu time é exatamente a rivalidade com o adversário. Se os outros times desaparecerem, o meu time perde o sentido de existir. E como gosto de fazer gozação com o time adversário, tenho também que tolerar com bom humor quando o meu time é o alvo da piada, e não tomar a questão de modo pessoal. É infantil e ridículo achar que os outros times estão sempre "errados" e só o meu time é que está "certo".

3º Como jornalista vc coloca que futebol, não é religião. Mas já parou para pensar que para muitos é ainda mais importante que religião.

O que é um evidente equívoco e um desequilíbrio de prioridades, na minha opinião.

4º Lembre que algumas charges de Maomé, publicadas na Dinamarca, causou o maior reboliço na Europa e nos países árabes e chegou-se até a discutisse a liberdade de imprensa.

A comparação é válida e pertinente, porque não acho que os religiosos que queriam matar o chargista dinamarquês fossem exatamente pessoas equilibradas e esclarecidas. Elas consideram a sua religião como a absoluta e verdadeira e todas as outras relativas e falsas, mais ou menos como o caso do time "certo" e do time "errado".

5º Da mesma maneira que procura entender suas explicações e agradeço seu contato, procure entender que é preciso ter cuidado como os sentimentos, com o simbolismo, com a importância que as pessoas dão a fatos, pessosas e coisas.

O que você sugere nesse item, se for posto em prática, significa eliminar dos jornais o espaço para a charge, pois rastrear e contornar todos os sentimentos e simbolismos que todas as pessoas dão a fatos, pessoas e coisas tornaria impraticável qualquer tentativa de humor.

6º Para mostrar sua neutralidade seria interessante que os traumas de nossos rivais, tambêm fossem explorados, se não conheces esses traumas, pode manter contato comigo que posso te auxiliar humildimente.

Agradeço a oferta de ajuda, mas conheço muito bem os traumas de todos eles.

7º De toda forma, sem querer impor limites, nem formas, nem diretrizes, para seu trabalho que é de excelente qualidade, te surgiro humildimente que uma charge exorcizando esse fantasma gremista seria bem apropriada.

Acho que o fantasma não era especificamente o Grêmio, mas o "nadar, nadar e morrer na praia."

8º Espero que vc seja feliz e continue exercendo seu trabalho com a já comprovada competência e agradeceria seu retorno para esse e-mail.

Mais uma vez agradeço. Iguais votos de felicidades e perpétua permanência na Primeira Divisão.

Saudações Alvi-rubras e Saudações Alvi-rubras para vc e para todos que te cercam.

Saudações alvirrubras, rubronegras e tricolores.

quinta-feira, novembro 16

AO VIVO E A CORES

A minha tv Sharp 29 polegadas, que eu comprei a André Pinto, cinéfilo e cineasta de carteirinha e crachá, dessa vez apareceu com um defeito esquisito: deu um zoom na imagem e no zoom ficou. Além de tremelicante e granulada, a imagem ampliada esticou só na altura, emagrecendo todo mundo e cortando metade da cabeça dos mais altos. Foi quando André Pinto me ligou e disse que estava vendendo a LG-34 polegadas-digital-tela plana dele porque comprou uma de plasma-de-40-e-não-sei-quantas-polegadas. Precinho de pai pra filho, ou de pinto pra falcão, não tive dúvida: fui lá ontem com o marido de Ana, a minha polivalente faxineira, e trouxe o colosso pro meu refúgio no Ébano. A bichinha pesa só 70 kg, tadinha, trinta a mais do que a modelo que morreu de anorexia. Ana, claro, pra variar, herdou a de 29 polegadas. Tentei inaugurar com a final de vôlei feminino Brasil X Rússia, mas não deu, o sono foi maior. Tanto pior para o Brasil, que perdeu um torcedor pé-quente e o título. Mas inaugurei com chave de ouro hoje de manhã, quando fui acordado com um tiroteio na Ponte Princesa Izabel, que fica enquadrada na minha visão de cartão-postal recifense da minha janela do meu quarto. Pareciam fogos de São João. A confusão foi grande, eu só via a polícia dando tiros na água do Capibaribe, tiros, tiros, e mais tiros, muitos tiros mesmo, fazendo um grande efeito cinematográfico quandos as balas batiam na água. Se eu quisesse saber o que raios tinha havido, ou descia e ia indagar dos populares e transeuntes ou tinha que ligar a televisão. Liguei no "Bronca Pesada" de Cardinot e fiquei sabendo que foram dois ladrões que tentaram assaltar uma casa lotérica, houve perseguição policial e um dos assaltantes se jogou dentro do rio. Foi como ver o replay das cenas de minutos atrás da minha janela, mas dessa vez com um zoom sem distorção.

segunda-feira, novembro 6

THE BOY WITH THE THORN IN HIS SIDE

Eu parei de curtir e comprar discos de rock mais ou menos em 77, por coincidência o ano em que Elvis morreu, embora uma coisa não tenha nada a ver com a outra. Eu cheguei até a ter, em sociedade com um amigo, um som de aluguel para festas, as quais aconteciam ao sabor de Deep Purple, Pink Floyd, Kiss, Sweet, Led Zeppelin, Creedence, e claro, Beatles e Rolling Stones. Inclusive o nome da nossa pequena empresa era Mouth Som (evite dizer com a boca cheia de farinha), e o logotipo era, vejam só que original, o mesmo da Rolling Stones, a bocarra vermelha de Mick Jagger, a qual eu era o encarregado de pintar em grandes painéis com tinta florescente pra brilhar na luz negra. Mas veio o Bee Gees com John Travolta e cortou o nosso barato, agora sim, uma coisa tem a ver com a outra, e a partir daí eu comecei a me enfurnar cada vez mais na música erudita. Quase trinta anos de hibernação depois, sou descongelado das geleiras do Himalaia, e, por um emaranhado de circunstâncias mil já conhecidas do grande público deste blog, eis que ressurjo, como um highlander, de novo animando festas com músicas exatamente das mesmas bandas, só que desta feita como cantor. Não deixa de ser um upgrade.

Mas o que diabo aconteceu com o rock nos anos 80 e 90? Quase nada. Acrescentou-se ao mundo do rock apenas mais duas bandas: uma de rock pesado e outra de rock leve. Ambas se subdividiram em uma miríade de clones idênticos, como amebas, e disso não passou. Ninguém consegue, a ouvido nu, distinguir Metallica da Megadeth, ou a Gravedigger da Helloween. Ou, no caso das leves, distinguir a The Cure da The Smiths, Men At Work da U-2 (exceto quando Bono Vox canta “Helter Skelter” dos Beatles :P), ou a Oasis da Coldplay. As minhas leitoras twenty e thirtysomething, que me lêem escandalizadas, podem até achar um ou outro integrante de uma banda mais bonitinho, mas musicalmente falando, são caminhões de japoneses. Não é à toa que a meninada está voltando pros anos 70. Um paralelepípedo, por mais surdo que seja, jamais vai confundir Beatles com Rolling Stones, ou Pink Floyd com Creedence. Pode-se até não gostar das bandas (eu por exemplo não exatamente morro de amores pela Rolling Stones, salvo uma meia dúzia de pérolas), mas não se pode negar que tenham personalidade e identidade.

Esse post veio a propósito de, sábado último, eu ter ido a um show da Gulliver , banda cover de rock leve dos anos 80 e 90, da qual Mário, o batera thirtysomething da Capitão Gancho, é o vocalista, e a qual eu apelidei maliciosamente de “Coldgay”. A banda é ótima, Mário está cada vez melhor no vocal, os backvocals são passáveis, enfim, um som afinado e redondo, ou seja, eles tocam exatamente igual às bandas originais, que é o que melhor pode se esperar de uma banda cover. Mas as músicas iam se sucedendo e nada do estilo mudar. Era sempre a mesma guitarra tímida com solos minúsculos, um baixo contínuo e melancólico, acompanhado de uma bateria seca e previsível. Aliás, por falar em guitarra, símbolo máximo do rock, a impressão que dava é que se as guitarras dessem pane (sim, eram duas, base e solo), e ficasse só o vocal e o baixo com a bateria, ninguém iria notar a diferença. E pra que tanta depressão e melancolia, meu Deus? Esses caras não ficam alegres nunca? E nem com raiva? Até as fotos dessas bandas mostram sempre uns caras magros e pálidos, olheiras profundas, vestidos de preto, com uma expressão vazia e perplexa de quem acabou de levar um pé na bunda. Mas isso é bem a cara dos anos 80, cujo espírito entrou pelos 90. Como bem dizia aquele rockinho nacional: “Não vai dar, assim não vai dar, como é que eu vou crescer sem ter com que me rebelar?”

domingo, novembro 5

AMAR É... PAGAR MICOS

Sexta passada, Burburinho, final do indefectível e insofismável show da El Mocambo:
Eu, de paquera com uma linda donzela twentysomething, a conversa rolando livre, leve e solta, me chega o baixista da Mocambo Gilson Biu e me abraça meio de lado e tenta me levantar do chão. A minha visão periférica, já ligeiramente nublada com pancadas esparsas de cerveja e vodca, registra Biu como sendo Morcegão, que também estava de camisa preta, só que pesa metade do peso de Biu. Então, pra exibir a minha força física de macho caçador e provedor, pego Morcegão, que na verdade era Biu, nos braços, assim mais ou menos como os recém-casados entram no quarto de núpcias e dizem "enfim sós". Quando os meus músculos das costas perceberam o engano, já era tarde demais: caí pra trás com Biu e tudo, com o detalhe de as minhas pernas ficarem apontando pra cima, como nos desenhos animados. A moça teve um acesso incontrolável de riso e assim me escapa pelos dedos mais uma twentysomething.

sábado, novembro 4

MUITO SIMPLES

Minha mãe me disse que quando eu fosse pra casa dela no feriado de finados eu levasse uns filmes, o livreto do plano odontológico e algumas penas, que ela ia receber clientes no outro dia. O livreto não achei, peguei uns filmes que eu tinha comprado recentemente e selecionei num vidrinho vazio de geléia algumas penas do tipo que eu achava que ela iria precisar. Cheguei, jantamos os três, eu, ela e minha sobrinha que mora com ela, vimos um filme e fomos dormir. No sexta-feira acordo ao meio-dia e dou de cara com Gisele Bundchen na sala. Esfreguei os olhos, pensei ainda estar dormindo e fui pra cozinha fazer café, ou melhor, pedir pra Ivone, a empregada, fazer. Quando voltei pra sala, não era mais Gisele, era Sharon Stone, ou Julia Roberts, ou coisa ainda mais bonita, em suma, uma linda e enorme mulher. Só então notei que tinha uma senhora perto dela, devia ser a mãe, e ambas conversavam com a minha mãe sobre como deveria ser a caligrafia dos convites do casamento, se mais juntinhas as letras, se mais separadas as linhas, se mais assim, se menos assado. Mandei servir café pra ambas (só a mãe tomou) e resolvi meter o bedelho, afinal de contas eu também sou calígrafo. A linda noiva foi logo me advertindo que era uma pessoa muito simples, mas muito exigente na sua simplicidade. Então tá. A mãe, que me achou muito simpático, ela mesma me disse depois, me perguntou se eu era o grande cartunista (minha mãe devia ter me entregado), que é isso, que grande que nada, há quanto tempo trabalha no jornal, 17 anos, uma vida, né, pois é, uma vida. Enquanto a linda noiva tagarelava com a minha mãe, a mãe da linda noiva ia conversando comigo, e conversa vai conversa vem, descobrimos que trabalhamos ambos na mesma empresa uma vez, um grande banco agora já falido, ela como secretária executiva de um diretor e eu como ilustrador na divisão de treinamento. Mundo pequeno. Depois ela me esclareceu que a filha tinha uma personalidade muito forte e queria as coisas tudo exatamente do jeito dela. De nada adiantou o pai aconselhar a ela fazer uma festa só com champanhe e bolo, como tinha sido o casamento dele, e usar o dinheiro para montar o apartamento: ela preferiu se mudar pra um apartamento quase vazio mas contanto que a festa fosse de arromba. Já ia em 450 convidados. Mas cada um tem seu sonho, né, cada pessoa pensa diferente, e ela me diz que pelo menos pensa que está casando para sempre e uma vez só, mas deve ser mesmo, já namoram há oito anos, é uma coisa já bem sólida, então deixa ela fazer do jeito que ela quer. Comentei que até a roupa do noivo devia ter sido ela quem escolheu. A linda noiva largou minha mãe por um instante e respondeu que claro, imagina se eu ia deixar ele escolher, ele reclamou e disse que não ia ver a minha roupa antes, porque que eu iria ver a dele, mas eu disse que era melhor não ter a surpresa do que ver ele entrar na igreja com uma roupa horrorosa. Não consegui atinar como seria uma roupa horrorosa para um noivo, certamente sutilezas há que escapam aos olhos leigos. Disse à mãe da linda noiva que todo noivo tem que se conformar com o papel de acessório que ele tem num casamento, assim mais ou menos como o bufê, o padre, a orquestra e o fotógrafo. A grande estrela é sempre a noiva.
A linda noiva perguntou se eu conhecia uma jornalista amiga dela, na verdade não exatamente amiga, mas que foi casada com um amigo do noivo dela. Eu disse que sim, que tinha até ido pra um aniversário dela bem original, ela botou todos os convidados dentro de um ônibus e saiu sem dizer a ninguém onde iria ser a festa. Fomos todos parar em Porto de Galinhas. Ah, que legal, uma outra amiga minha também queria fazer a festa de casamento dela assim, botava todo mundo em uns cinco ônibus e ia levar todo mundo pro Trem do Forró. Mas a sogra dela só faltou morrer e terminaram desistindo. Quando eu disse a ela que ia casar no Monte Guararapes, ela ficou dizendo mas que coisa tão tradicional! Sabe onde ela terminou casando? No Monte Guararapes! E terminou que eu nem achei vaga no Monte Guararapes, vou casar na Basílica do Carmo.
-Ah sim , lá na Dantas Barreto, bela igreja. Eu acho a capela da Jaqueira também muito bonitinha.
-Ah, também acho, mas é muito pequenininha, não cabe ninguém.
-Ah, é verdade, 450 convidados.
A linda noiva discorreu sobre as dificuldades de se fazer uma lista de convidados, ela só iria convidar as pessoas do círculo íntimo da família, mas só que a família era muito grande. E a maioria dos convidados tinha família grande também. Por outro lado, alguns convidados nunca teriam uma família tão grande assim, pois eram casados com pessoas do mesmo sexo. O que gerou um certo desconforto na hora de botar os nomes nos envelopes: Fulano de Tal e namorado, Fulana de Tal e namorada. O pai achou um absurdo, e o noivo ponderou se não seria melhor botar Fulano de Tal e acompanhante. Breve saberemos qual opinião prevaleceu, se a dos machões autoritários ou a da linda noiva muito simples, porém muito exigente na sua simplicidade.