segunda-feira, abril 24

DRAMA GIOCCOSO

Sábado passado, tarde de ópera no auditório da Cultura. Ópera projetada num telão, desta feita Don Giovanni de Mozart, minha predileta, que nem é comédia nem tragédia, mas um drama gioccoso, assim como a vida. Minha mãe não queria ir porque estava com rinite alérgica, mas insisti e ela acabou indo. Vamos em carros separados, pois eu planejava ir depois pro Cine-PE com Dayse e de lá pro Public ver Morcegão.
Lá pelo segundo ato, minha mãe começa a sentir uma forte dor de cabeça. Boto ela no meu carro e vou pra emergência do Hospital Português. Ela estava com medo que fosse a pressão alta e com mais medo ainda de ter um AVC. Liguei pro meu irmão que é cardiologista, enquanto ela era medicada com analgésicos. Daí a pouco a dor de cabeça passou e ficou tudo bem. Só que o convênio dela era do Hospital Militar, e na pressa esquecemos de ir pra emergência de lá. Tínhamos que pegar uma autorização pra poder passar a conta pro convênio. Meu irmão pega uma carteirinha preta de minha mãe, que tinha dentro a carteira de motorista e os documentos do carro dela. Diz pra ela ficar repousando, que nós íamos resolver a documentação e pegar o carro dela. Na saída, meu irmão lembra: é melhor levar a bolsa dela, ela pode dormir e alguém roubar. Primeiro erro. Lá vou eu de bolsa pelo hospital. Fomos no Hospital Militar e depois deixei meu irmão no Paço Alfândega pra trazer o carro. Quando chegamos no Português, minha mãe já estava lépida e fagueira na recepção. Meu irmão devolve a carteirinha com os documentos pra minha mãe, ela pergunta cadê a bolsa dela, ficou no meu carro, ela bota as guias de atendimentos, a receita e o boletim de ocorrência médica tudo dobrado dentro da carteirinha e fomos pro estacionamento. O meu ticket ainda faltava três minutos pra vencer, e o sistema não aceitava o pagamento. Meu irmão não paga porque é médico, é só dar o número do CRM. Tínhamos portanto de pagar só o de mamãe. Ela estava sem dinheiro porque estava sem bolsa, e eu só tinha duas notas de 50 reais. Dei uma pra mamãe e saí correndo pra pegar o meu carro, pois segundo o caixa, dava tempo de sair sem pagar os três reais. Segundo erro. Quando cheguei na portaria, claro, não deu tempo, tive que pagar os três reais. E dei a outra nota de 50. O cara disse que não tinha troco, e mandou alguém trocar. Minha mãe e meu irmão passam e ficam esperando por mim. Comecei a ficar com raiva e com fome, já eram nove da noite a essas alturas. O cara traz o troco e fomos todos festejar comendo crepe numa creperia em Boa Viagem. Lá chegando, um cheiro delicioso de filé assado nos invade as narinas famintas. Meu irmão sai do carro dele, eu saio do meu, e nada de minha mãe sair do dela. Estava procurando a carteirinha de com os documentos, os prontuários médicos e os meus 50 reais, que o caixa não tinha trocado e o meu irmão acabou pagando o dela. Fui pegar uma lanterna no meu carro, reviramos o carro de cabeça pra baixo e nada. O cheiro estava cada vez mais forte. Não tinha jeito, tínhamos que voltar ao hospital e procurar os documentos. Nisso passa um amigo meu, nem me viu, rindo e conversando com as amigas, feliz da vida, sabendo que ia saborear um crepe dentro de instantes, ele que não tinha mãe que perde documentos num espaço de 20 metros entre o caixa do estacionamento e o carro. Mulher sem bolsa fica perdida e perde as coisas. Minha mãe disse pra meu irmão ir fazendo os pedidos e ir comendo que eu e ela íamos voltar no Hospital. Meu irmão sabiamente resolveu abandonar o barco e ir pra casa. Lá vamos nós no carro da minha mãe, meu carro e o cheiro do filé ficaram na creperia. Chegando no estacionamento do hospital, começamos a procurar por debaixo dos carros com a lanterna, e claro que não achamos nada. Tivemos que tirar toda a documentação de internação de novo, inclusive com o parecer médico, as guias do convênio do seguro saúde, etc. Minha mãe deixou o telefone dela com todo mundo do hospital, caso achassem os documentos do carro. O dinheiro, só um milagre, evidentemente. Quando voltamos pro caixa do estacionamento, o cara falou: -ainda faltam 7 minutos.
Eu -Ah, não, dessa vez você não me pega, eu vou pagar!
Minha mãe: -Vamos ficar 7 minutos esperando aqui? Dá tempo.
Terceiro erro. Chegando na portaria, eu pergunto à minha mãe cadê o ticket, e minha mãe me pergunta cadê o ticket.
Minha mãe: -Eu botei dentro da papelada do hospital e lhe dei junto com os 5 reais que você me deu pra pagar o estacionamento.
Que não foi preciso pagar porque faltavam 7 minutos.
O porteiro: -Sinto muito, só podemos liberar a passagem do veículo ou com o ticket ou com um boletim de ocorrência de perda do ticket.
Minha mãe: -Tá vendo? Bem que eu disse que não queria sair de casa com aquela alergia.
Voltamos pro estacionamento pra fazer um boletim de ocorrência de perda do ticket. Quando chegamos lá, o ticket aparece como por encanto, não vai precisar fazer ocorrência nenhuma, mas os 7 minutos já tinham voado no pau, assim como a ópera, o Cine-PE e o Public. Enquanto minha mãe ria sem parar, fui pagar o estacionamento, considerando seriamente a hipótese de dar um tapa no pé-do-ouvido do filho-da-puta do atendente do caixa. Ele, com aquele trabalho medíocre e entediante, certamente tem como única diversão ver os clientes do hospital correndo feitos lunáticos pelos corredores do estacionamento pra economizar 3 reais. Pra ele, sempre dá tempo. Conseguimos finalmente sair do hospital e fomos procurar a creperia de novo. Liguei previamente pro meu irmão pra pedir indicações de como chegar lá, afinal a bruxa estava solta e a minha fome já atingia as raias do canibalismo, já passava da meia-noite. Chegamos lá e o cheiro agora era de camarão. Perto da entrada ficava o banheiro masculino, e fui logo entrando pra fazer xixi. Quando olho pra trás, vejo minha mãe morrendo de rir: ela tinha me seguido banheiro adentro, pensando que eu tinha encontrado uma passagem secreta pra alguma dependência especial do restaurante, ou coisa que o valha. Eu como um crepe de filé e ela um crepe doce, não era bom facilitar com o sal a essas alturas do campeonato. Fomos pra casa, esperando que os carros não resolvessem pifar no meio do caminho. Não pifaram.
Quando chegamos em casa, resolvi que ia assistir um dvd, pra dar uma relaxada antes de dormir. Tinha alugado a Lista de Schindler. Pelo menos iríamos ver pessoas com problemas bem maiores que os nossos. E vimos mesmo, aliás, problemas até demais pra um começo de filme. Último erro: tínhamos começado a assistir pelo segundo dvd. Desligamos tudo e fomos dormir.

sexta-feira, abril 14

INVENTÁRIO DA SEMANA SANTA

Bacalhau com batata, bacalhau de côco, arroz branco com alho, chocolate, trânsito livre, sol quente, bredo baboso, filme brega de paixão de Cristo na sessão da tarde, sonolência, peixe, espinha de peixe, mais peixe, quibebe de jerimum, feijão de côco, ovo de chocolate quebrado, papel laminado lambuzado, chokito, prestígio, serenata de amor, sonho de valsa, Paixão de Cristo em Nova Jerusalém com ator de telenovela, paixão de Cristo da segunda divisão com Zé Pimentel. Amo muito tudo isso.

domingo, abril 2

HOLLYWOOD COM FILTRO

Finalmente aconteceu: em "Um Plano Perfeito", Spike Lee virou um diretor branco. Apesar de aqui e ali salpicar alguma coisa remotamente relacionada ao racismo, o filme poderia ter sido dirigido por qualquer diretor mainstream. Do not subestimate the power of money.