OS DISCRETOS HERDARÃO A TERRA
Com todo esse vai e vem dos computadores, terminei esquecendo de contar aqui o desfecho do caso das baratinhas, mas Mardyta me lembrou. Na verdade foi um final bem previsível e vulgar. Depois de eu e minha faxineira gastarmos inutilmente latas e mais latas de Baygon, como já tinha falado aqui, vi que tinha que ser na base da dedetização mesmo. As baratonas sumiram todas com o Baygon, mas as miudinhas fizeram foi aumentar em número, gênero e grau. Minha mãe me ligou um dia e começou a me dizer o número de uma dedetizadora, eu nem deixei ela terminar, impossível esquecer esse jingle que nos atormentou durante toda a década de 80:
"DA BARATA E DO CUPIM VOCÊ VAI SE LIVRAR,
E DO RATO TAMBÉM, BASTA TELEFONAR:
231-3141... F-GENES DEDETIZAÇÕES... 231-3141... F-GENES DEDETIZAÇÕES..."
Nesse tempo nem tinha ainda o número três como prefixo, vai ver foi por isso que encerraram a longeva campanha, o 3 não coube no ritmo. Liguei portanto 3231-3141. Depois de um curso relâmpago sobre baratinhas e baratonas (as baratinhas miúdas têm hábitos noturnos, se escondem nas frestas, etc.) ao telefone com a atendente, que dada à doçura da sua voz e gentileza de modos fiquei considerando a hipótese de fazer uma pós-graduação em extermínio de baratas, agendei uma visita do exterminador de pragas numa quarta-feira, porque era preciso tirar todas as coisas da cozinha e a minha faxineira vem nas quartas. Nessa manhã do dia determinado, acordei às 10 horas e fui no banheiro. Não ouvi nenhum barulho, portanto a minha faxineira-cozinheira-lavadeira-comadre tinha saído pras compras. Quando fui na cozinha, um dilúvio de um líquido branco e translúcido e uma praga do Egito de baratinhas miúdas mortas tomava todo o chão. Voltei prudentemente para o quarto e voltei a dormir. Quando acordei no início da tarde, o almoço estava pronto e a cozinha, impecável, nem se lembrava que um dia as baratinhas reinaram por lá. O cara ficou de voltar lá na semana seguinte, pra fazer a manutenção com gel nas quinas das paredes pra eliminar as inevitáveis remanescentes. Voltou, botou o gel, deixou a conta pra eu pagar, e assim fechou-se o capítulo das baratinhas. Confesso que sinto falta delas, são boas companhias, discretas e eficientes. Baratas são insetos que admiro, bela cor, excelente design, comem de tudo sem frescura e sem incomodar ninguém, e serão nossas herdeiras na Terra quando finalmente cometermos o tresloucado e atômico gesto. Já as muriçocas eu não perdôo. Não existe coisa mais incômoda e pentelha do que uma muriçoca, uma coisa que zumbe e pica na hora mais pungente, que é a sagrada hora do sono. Graças a Deus, nos últimos três locais que tenho morado elas não me seguiram. Muriçoca: ou foi um erro da criação, ou foi inventada pelo diabo. A diferença entre as baratas e as muriçocas é mais ou menos a diferença entre gatos e cachorros: os gatos são bichos elegantes, discretos e independentes, e os cachorros são bichos desastrados e espalhafatosos, latem à noite, igualmente na hora mais pungente, e não sabem se alimentar sem incomodar o dono. Estou portanto agora sem nenhum animal de estimação em casa. Mardyta, me arranja um filhote de gato?
"DA BARATA E DO CUPIM VOCÊ VAI SE LIVRAR,
E DO RATO TAMBÉM, BASTA TELEFONAR:
231-3141... F-GENES DEDETIZAÇÕES... 231-3141... F-GENES DEDETIZAÇÕES..."
Nesse tempo nem tinha ainda o número três como prefixo, vai ver foi por isso que encerraram a longeva campanha, o 3 não coube no ritmo. Liguei portanto 3231-3141. Depois de um curso relâmpago sobre baratinhas e baratonas (as baratinhas miúdas têm hábitos noturnos, se escondem nas frestas, etc.) ao telefone com a atendente, que dada à doçura da sua voz e gentileza de modos fiquei considerando a hipótese de fazer uma pós-graduação em extermínio de baratas, agendei uma visita do exterminador de pragas numa quarta-feira, porque era preciso tirar todas as coisas da cozinha e a minha faxineira vem nas quartas. Nessa manhã do dia determinado, acordei às 10 horas e fui no banheiro. Não ouvi nenhum barulho, portanto a minha faxineira-cozinheira-lavadeira-comadre tinha saído pras compras. Quando fui na cozinha, um dilúvio de um líquido branco e translúcido e uma praga do Egito de baratinhas miúdas mortas tomava todo o chão. Voltei prudentemente para o quarto e voltei a dormir. Quando acordei no início da tarde, o almoço estava pronto e a cozinha, impecável, nem se lembrava que um dia as baratinhas reinaram por lá. O cara ficou de voltar lá na semana seguinte, pra fazer a manutenção com gel nas quinas das paredes pra eliminar as inevitáveis remanescentes. Voltou, botou o gel, deixou a conta pra eu pagar, e assim fechou-se o capítulo das baratinhas. Confesso que sinto falta delas, são boas companhias, discretas e eficientes. Baratas são insetos que admiro, bela cor, excelente design, comem de tudo sem frescura e sem incomodar ninguém, e serão nossas herdeiras na Terra quando finalmente cometermos o tresloucado e atômico gesto. Já as muriçocas eu não perdôo. Não existe coisa mais incômoda e pentelha do que uma muriçoca, uma coisa que zumbe e pica na hora mais pungente, que é a sagrada hora do sono. Graças a Deus, nos últimos três locais que tenho morado elas não me seguiram. Muriçoca: ou foi um erro da criação, ou foi inventada pelo diabo. A diferença entre as baratas e as muriçocas é mais ou menos a diferença entre gatos e cachorros: os gatos são bichos elegantes, discretos e independentes, e os cachorros são bichos desastrados e espalhafatosos, latem à noite, igualmente na hora mais pungente, e não sabem se alimentar sem incomodar o dono. Estou portanto agora sem nenhum animal de estimação em casa. Mardyta, me arranja um filhote de gato?