domingo, julho 29

AVENTURAS E DESVENTURAS NA VIZINHANÇA

Ainda não consegui entender direito a minha vizinhança, exceto pela senhora idosa que mora sozinha lá no apartamento da ponta, que é uma pessoa muito educada e distinta e que tem deficiências visuais e auditivas. O apartamento do meio tem uns vizinhos secretos que nunca vejo, só farejo. É que pela janela da cozinha sai de vez em quando um cheiro delicioso de comida caseira. Eles devem ser muito caseiros mesmo, nem no corredor dão as caras. Agora o apartamento do meu lado, o que fica porta com porta e com o qual divido o cadeado da grade coletiva que nos separa do resto do mundo, esse é que não dá pra entender mesmo. Não que eu fique querendo bisbilhotar vida de vizinho de parede e meia, longe de mim tal atitude reles e viciosa, mas é que quando eu estava me mudando quem me deu as boas vindas foi um rapaz magro com cara e barba de muçulmano, me dizendo que estava ali de meio de passagem, mas que gostaria mesmo era de morar em Olinda. Depois até ele apareceu mesmo com uma atraente esposa com trajes de olindense. Aí outro dia eu estava mostrando o meu apartamento a dois sobrinhos, e consegui a façanha de nos prender aos três no lado de fora do apartamento, porque fechei o cadeado com as chaves dentro de casa. Quem nos socorreu pra abrir a grade do corredor foi um jovem casal de alemães que não fala português, ela, baixinha e gordinha, ele, magérrimo e altíssimo. Pensei que o outro casal tivesse voltado de vez pra Olinda, mas ainda os vejo de vez em quando entrando lá. Devo ser vizinho de uma república multicultural, portanto.


Tive que ir buscar as cópias das minhas chaves na casa da faxineira. Nessa mesma noite de sexta-feira que ficamos preso do lado de fora Zôião resolve desaparecer. Quando chego em casa na madrugada seguinte, nem sinal dele, logo ele que não pode ouvir o cadeado abrindo que se dana a miar feito um louco. Ah, não, de novo não ! Another one bites the dust. Mas no sábado à noite já tinha um cartaz na portaria:


GATOS TROCADOS!
QUEM ACHOU UM GATO CINZA E BRANCO FAVOR DEVOLVER NO APTO 507, POIS O GATO CINZA E BRANCO QUE ME TROUXERAM AQUI NÃO É O MEU. DEVEMOS ESTAR COM OS GATOS TROCADOS!

Claro que esse outro gato cinza e branco só podia ser Zôião. Liguei para o número do celular que estava no cartaz e falei sobre a única característica que distinguia o meu gato do outro: uma mancha cinza no focinho. No mais eram praticamente idênticos, sendo o outro, que fiquei sabendo depois que atendia, ou ignorava, pelo nome de Zinque. Quais as possibilidades estatísticas de dois gatos brancos e cinzas praticamente idênticos cujos nomes começam com Z sumirem de seus respectivos lares no mesmo dia? Eles deviam estar atendendo a um chamado extraterrestre.
Quando cheguei lá Zôião tava todo prosa refestelado no colo da moça, que por sua vez estava inconsolável, pois tinha visto Zinque nascer. No dia seguinte o porteiro me disse que acharam Zinque no quarto andar.

Alguns dias depois, na Redação, ouvi alguém dizer: -Você é o dono do gatinho...
Era ela. Não só morávamos no mesmo prédio como trabalhávamos no mesmo local, separados apenas por alguns biombos. Eu bem que tinha achado ela vagamente familiar...!