quinta-feira, março 30

OUI, MOLIÈRE!

Sempre terei uma lembrança agradável do nome Molière. Quando eu era pirralho, meu tio escreveu uma peça, ganhou um prêmio de teatro chamado "Molière", o qual incluiu uma viagem a Paris, e quando voltou trouxe canetas temáticas para os sobrinhos, pequenas esculturas em marfim com as caricaturas de Napoleão e DeGaulle. Escolhi a de DeGaulle porque tinha o nariz maior e era mais caricatural, a de Napoleão estava muito mais pra retrato natural. Eu tenho essa caneta-escultura até hoje.

No final do filme "Morte sobre o Nilo", David Niven pergunta Peter Ustinov, respectivamente Coronel Race e Hercule Poirot, sobre o que ele estava pensando. E Poirot: "-Estava lembrando de Molière, que diz que a maior ambição da mulher é inspirar amor."

domingo, março 26

UMA VEZ FLAMENGO...

Quem quiser ir pro cinema, comer pipoca e esquecer a realidade, fuja do filme "Crash". Aquela é a realidade nua e crua, folks. Sem hollywood e sem filtro, sem heróis e sem vilões, da vida em geral e dos Estados Unidos em particular. Em 1982 eu estava trabalhando como ilustrador de cartazes numa colônia de férias no extremo norte do estado de Nova York, numa ilha no meio de um grande lago perto da fronteira com o Canadá. Cada semana tínhamos uma nova turma de acampantes, e nesse ano reservaram uma semana só pra adolescentes refugiados vietnamitas. Foi um tal de comer arroz a semana inteira, o que eu achei ótimo, matei as saudades. Lá pelo meio da semana, estava eu conversando com o chefe da cozinha, um galegão alto que era super gente fina, e tirei uma onda qualquer com ele pelo fato de ele estar só cozinhando arroz o tempo todo. Ao que ele respondeu que era um prazer estar servindo a um povo tão simpático como os vietnamitas, você não acha que eles são maravilhosos? Eu, ironicamente: "-Very...!"
Ele me olhou perplexo e fuzilou: "-Mas você é muito folgado, não acredito que você disse isso! Nós aceitamos e acolhemos você da melhor maneira possível, e você está rejeitando eles?"
Foi quando a minha ficha caiu. Eu estava sendo "aceito" e "acolhido", mas seria sempre um cidadão de segunda categoria. E o pior, já estava tão à vontade no meio deles que estava começando a ficar racista também. Decidi que era hora de voltar pro Brasil.

UMA QUESTÃO DE NÍVEL

Apesar de ser um ano Mozart, Scarpa houve por bem de projetar "O Barbeiro de Sevilha", de Rossini, na Cultura nesse último sábado à tarde. É aquela que tem a famosa ária "Fígarôôô...!", e que tem gente que confunde com "As Bodas de Fígaro", de Mozart. Apesar das personagens homônimas, são histórias completamente diferentes. Depois fomos todos tomar sopa no Paço Alfândega. Encontramos com Ciça e Dani, Ciça muito excitada com um perfume francês que tinha colocado no braço, e disse que coisa ruim é ser pobre e conhecer o que é bom, não dá mais pra usar perfume da Natura ou da Boticário depois que se usa um desses. Isso me lembrou a ópera que tínhamos acabado de ver. Rossini não é mau, mas é da Natura. Donizetti também dá pro gasto, mas é da Boticário. Mozart é Chanel no 5.

quinta-feira, março 23

DEUS E O DIABO NA TERRA DA CHUVA

Finalmente vi ontem o último Woody. Comentário de uma patricinha para o namorado ao meu lado quando acabou: "minha amiga disse que o filme era ótimo, que o final era surpreendente, mas achei uma merda, muito monótono."
Mais um flerte de Woody com o cinema existencialista europeu, desta feita usando como tema central uma obsessão de suas entrevistas: a sorte. E o final não é surpreendente, em se tratando de Woody allen, ele também deixa o crime sem castigo em "Crimes e Pecados". O filme tem uma cara inicial de clichê hollywoodiano, e ironicamente insinua isso mesmo, botando uma americana pra fazer parelha com o lower class irlandês, em contrapartida com os irmãos grã-finos upper class ingleses . Os bárbaros invadindo a civilização, eterno complexo de inferioridade dos americanos, que nunca tiveram um rei, em relação ao pedantismo absolutista da monarquia inglesa.
Mas engana-se também quem achou que o crime ficou sem castigo: o castigo de Chris foi, como ele próprio afirma, justamente não ter castigo nenhum, e confirmar a sua teoria sobre um universo sem justiça divina e sem sentido, no qual, ele, sensível leitor de Dostoievsky, foi condenado a derramar eternamente "una furtiva lagrima". Um woody enxutíssimo, tanto em cenas quanto em diálogos, como em todos os woodys em que Woody não aparece nem pessoalmente nem caricaturado por outro ator. A novidade é que desta feita não é uma comédia a la Rosa Púrpura do Cairo, mas um no estilo Bergman no qual ele usualmente derramaria rios de complexos diálogos. Pena que ainda assim a patricinha não gostou.

domingo, março 19

CABÔCO FICADOR

É possível ir pra night e se divertir muito sem beber álcool. É possível tocar e cantar no palco descontraidamente sem beber álcool. Mas não é possível ficar no bar sem beber álcool. Quando acaba as coisas que você tinha que fazer, você quer ir embora pra casa. E vai. E quem está sob efeito do álcool não entende. Donde se conclui que a principal função da cachaça é fazer você ficar indefinidamente no bar sem fazer nada.

VOCÊ DESÁGUA EM MIM E EU OCEANO

Quis brindar as minhas três ou quatro leitoras com essa impagável paródia do conto de Lima Barreto "O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS":




O Homem que sabia djavanês

Eu tinha chegado fazia pouco ao Rio de Janeiro e estava literalmente na miséria. Vivia fugindo de casa de pensão em casa de pensão, sem saber onde e como ganhar dinheiro.
Até que um dia, lendo "O Globo", deparei com este anúncio: "Precisa-se de um professor de djavanês". A audição das músicas de Djavan sempre provocou em mim puro mal-estar físico. Mas, enfim, precisava de grana e decidi fazer o possível para vencê-lo. Naquela semana, fui a todos os barzinhos com música ao vivo da cidade. Perdi a conta de quantas vezes escutei "e o meu jardim da vida ressecou, morreu" ou "amar é um deserto e seus temores". Foram sete dias de tortura; contudo, saí deles com o djavanês na ponta da língua. Em vez de mandar meu currículo, achei que conviria visitar o endereço indicado no anúncio. Era um tríplex de cobertura, decorado com muito dinheiro e mau gosto ainda maior, num dos bairros mais caros do Rio. Apresentei-me como professor de djavanês e, após ser submetido a inquérito pelos empregados, fui levado à presença do patrão, o doutor Albernaz. Ele me recebeu com um sorriso visivelmente irônico. "Então o senhor é professor de djavanês, hein?" "Sim, sou". Formado em djavanês e com mestrado em beregüê. Tive dez com louvor na minha tese sobre a influência de Carlinhos Brown na obra de James Joyce". A tese, obviamente, não existia, mas o doutor Albernaz pareceu acreditar na conversa. "Então, só o senhor pode me ajudar. Ouça isto, por favor" - e pôs nas minhas mãos uma coletânea do Djavan em CD. Ao notar minha cara de ponto de interrogação, ele contou sua história. "Pouco antes de morrer, meu pai me entregou esse CD e disse: "'Filho, tenho certeza de que Djavan canta coisas muito profundas, mas ouvi suas músicas durante anos e nunca consegui entender "COISA ALGUMA". Só podem ser segredos iniciáticos transmitidos da maneira mais hermética possível. Descubra o significado e você obterá a chave da felicidade'." O doutor Albernaz abriu o encarte do CD e me mostrou uma das letras: "'Obi, obi, obá. Que nem zen, czar. Shalom Jerusalém, z'oiseau'." O que é isso?. Eu estava tenso com a pergunta do doutor Albernaz. Tantas músicas do Djavan e o velho tinha de querer saber o que significava a letra de "Obi"? Desgraçado. Se ainda fosse aquela do "o amor que é azulzinho", mas era tarde. Ele tinha os olhos fixos em mim: queria respostas. Todo o sucesso da minha empreitada dependia de uma explicação convincente e imediata. De repente, uma idéia. Começo: "Veja bem. 'Obi' é certamente uma referência a Obi-Wan Kenobi, o sábio de 'Guerra nas Estrelas' interpretado por sir Alec Guinness. 'Obá', por sua vez, remete a 'Djobi Djobá', sucesso dos Gipsy Kings. Djavan buscou contrastar o lado luminoso e britânico da força com os mistérios nômades da alma cigana. A mesma tensão dialética pode ser verificada no verso subseqüente, 'que nem zen, czar': a contemplação espiritual dos monges budistas e o poder absoluto dos czares. Perceba como tese e antítese se resolvem lindamente na síntese do verso seguinte: 'shalom Jerusalém' é a paz do espírito na divina cidade... É ela que faz a alma se elevar aos céus, como um pássaro ('z'oiseau')". Os olhos do doutor Albernaz se arregalaram enquanto eu falava. Dois segundos depois de eu terminar, ele gritou: "Que maravilha! Sabia que havia algo de muito profundo nessa letra! O senhor é um gênio da hermenêutica, um mestre do djavanês!". Passei a tarde inventando explicações para todas as outras letras do CD - Açaí guardiã..., Kremlin-Berlim-pra-não-dizer-Tel-Aviv..., índio cara-pálida cara de índio... Citei Joyce, Pound, Oswald, Glauber, Zé Celso, Hélio Oiticica e Odair Cabeça de Poeta: name-dropping é comigo mesmo.

Daí por diante, minha ascensão social estava garantida. Eu era o único intelectual do país capaz de traduzir a transcendência da linguagem de Djavan. Tinha prestígio acadêmico e subsídio do Ministério da Cultura; gostosíssimas estudantes de lingüística rasgavam as roupas e se atiravam aos meus pés. Mas troquei tudo por um violão, sandálias de couro cru e um penteado novo. Mudei até meu nome graças ao djavanês.
Hoje me chamo Jorge Vercilo e sei que "nada vai me fazer desistir do amor".

sexta-feira, março 17

A PONTA DO ICEBERG

Doce ilusão imaginar que se pode conhecer alguém pelo Orkut. Se você sabe que não se expôs totalmente lá, como pode pensar que alguém o fez?

quinta-feira, março 16

EBONY AND IVORY

Os porteiros do Ébano podem morrer de tudo, menos de tédio. Hoje de madrugada, quando cheguei, algum terrorista encapuzado com um capacete de moto tinha estilhaçado as vidraças da portaria com quatro tiros, e ainda sobrou um de lambuja pra vidraça vizinha da Dr. Scholl. Não satisfeito, jogou um coquetel molotoff no hall da entrada. Suspeita-se que seja represália de um grupo de pagodeiros de um bar das proximidades, cuja musicalidade andou irritando os moradores dos andares mais baixos. Entre mortos e feridos, até agora, salvaram-se todos.

quarta-feira, março 15

TAKE TWO ASPIRINS AND COME BACK TOMORROW

E já que eu não fui nem pro show da Lady Murphy e nem pro show da nova banda de Leo no sábado, resolvi ir pro show da Lady Murphy junto com a velha banda de Leo na terça, no salão de festas de condomínio também conhecido como Ecco´s Beer. Lá chegando, estavam Mário, Nanda, Dayse, A Saurius e a Lady Murphy. E só. Ia ser uma festa em família. E foi, e das boas, com direito a desenhos animados da Pantera-Cor-de-Rosa no telão, os originais da década de 70. No final, o tradicional sarapatel de bandas, Capitão Gancho inclusa, representada por mim, Mário e o próprio Leo. Festa em família, numa terça-feira sem maiores pretensões, mas foi o dia que eu fiquei mais bêbado na minha vida, só perdendo, talvez, para o dia em que a Capitão foi tocar no Musique e eu agarrei a mulher do nosso empresário. Mas a culpa foi dele mesmo, quem mandou me dar tanta vodka? Mas nessa terça, acho que justamente por ser um dia sem maiores pretensões que me pegou desprevenido. Comecei com uma inocente cervejinha, depois o dono do bar inventou de doar à nossa mesa um litro de uísque, que comecei a beber no mesmo ritmo da cerveja. Lá pelas tantas Leo, me vendo pra lá de Bagdá, diz que eu preciso me hidratar, e me dá uma garrafa de água mineral. Eu despejo a garrafa na boca sem encostar a boca no gargalo, e não era água, era sacanagem: vodka. Pra completar, no final dos shows, Lucas-irmão-de-Leo traz um chopp gigante e faz uma rodada de cachimbo da paz, com o primeiro vira-vira cabendo a mim. Juntou tudo isso lá embaixo e começou a fermentar. Dayse sabiamente se recusou a voltar de carro comigo. Consegui dirigir ainda uns três quarteirões e cheguei na Planet Pão. Comi bolo-de-rolo pra ver melhorava, glicose na veia. Não teve jeito, do jeito que ele entrou, saiu. Me encostei no muro da Caixa Econômica, onde o carro estava estacionado, e botei a alma pela boca. Entrei no carro e fiquei com o ar ligado, tentando recompor as idéias. Não sei quanto tempo minhas idéias levaram pra se recompor, pois quando fui ligar o carro de novo, a bateria tinha arriado. Acho que meu anjo da guarda decidiu que era melhor eu voltar de táxi. Cheguei em casa, enguli quatro aspirinas infantis, que calculo deva ser equivalente a duas adultas, tomei um banho, jurei aos meus deuses nunca mais beber e fui dormir. No dia seguinte, ligo pro seguro do carro, eles mandam um reboque, o cara do reboque tortura a bateria com choques elétricos, ela volta a funcionar e eu volto pra casa, não sem antes parar numa farmácia e atualizar meu estoque de aspirinas adultas, só pra garantir.

segunda-feira, março 13

EXPRESSO DO MEIO-DIA

E eu, Nanda, que não consigo assistir de jeito nenhum o danado do Match Point de Woody Allen? Bia Allen já me falou que tem ópera na trilha. Já cheguei a ficar na fila, e quando chegou a minha vez de comprar o ingresso, acabou o horário e não tinha mais depois, e ontem quando fui com a intenção inequívoca de ver, saiu de cartaz do Tacaruna, e acabei vendo o tal do Firewall, melhor nem comentar, o coitado do Harrison Ford garantindo a cervejinha. E agora só tem no Xopz Recife e de 16:50. Será que eles pensam que as pessoas que assistem filmes de Woody Allen são um bando de vagabundos que não trabalham, ou só aposentados que vão às matinês e soirées? Não entendi esse horário. Vou checar no Guararapes, pra ver se são mais sensatos. Falar em xopizes, Doktor Cris, te prepara, dia 27 de maio ao meio-dia em ponto vou tomar um café expresso contigo naquele xopinzinho na esquina da Rua Augusta com a Av. Paulista. Um patrocínio da GOL Promoções de 50 reais. E você vai ter que me liberar pra eu fumar um roliúde de menta.