quarta-feira, junho 27

UMA HISTÓRIA FANTÁSTICA

Já contei aqui a história do túmulo do meu pai, agora conto outra. Semana passada fui comprar pão francês no Bompreço da Rosa e Silva, o melhor pão da cidade, e como sempre terminei comprando um monte de outras coisas para suprir a despensa do meu novo lar. Entre elas estavam três sachês de comida de gato e uma vidro grande de Nescafé que tinha uma tampa extra de brinde, com alça de um lado e abertura no outro, que transformaria o vidro vazio em uma jarrinha de suco bem simpática. Irresistível, ainda mais porque era a última. Eu, como o bibliômano de Dom Casmurro, tenho uma fissura por exemplares únicos. Quando cheguei em casa e fui botar as coisas na geladeira e na despensa, canto mais limpo, nem sachês nem Nescafé. Tinham ficado no caixa do supermercado.

Hoje combinei com a minha sobrinha Elis de ir assistir o Quarteto Fantástico X Surfista Prateado, mas pra isso eu tinha que passar em algum caixa eletrônico pra sacar algum, que eu estava a quase nenhum. Resolvi ir no caixa eletrônico do Bompreço da Rosa e Silva, só de sacanagem. Uma semana depois, sem a nota de compra, num supermercado de alta rotatividade aberto 24 horas, procurar quatro itens esquecidos, que é claro devem ter sido levados pelo cliente seguinte da fila atrás de mim. Chegando lá, com a cara mais de pau do mundo, mandei logo chamar o gerente. Um assunto grave desses tem que ser com o gerente. Uma bela negra com uniforme da S.W.A.T acionou umas duas ou três pessoas por um walkie-talkie e daqui a pouco me chega um sujeito careca e sorridente com cara de gerente de supermercado.
-Pois não?
-O senhor é o gerente?
-Não, ele já largou, mas eu sou o substituto.
Quase que eu dizia: não tem problema, qualquer um serve, ninguém vai resolver nada mesmo.
-É que semana passada eu fiz umas compras aqui e esqueci um vidro de Nescafé e três sachês de comida pra gato. E já joguei a nota fora há muito tempo. Aliás, joguei no mesmo dia em que comprei.

O próximo passo seria, claro, ele dar um sorriso de desprezo na minha cara e acionar o restante da equipe da S.W.A.T pra me levar algemado pra delegacia mais próxima, ou amarrado numa camisa-de-força pro Hospital Ulisses Pernambucano, a nossa famosa e popular Tamarineira, que por sinal fica praticamente na mesma avenida.

Em vez disso, ele me levou em um balcão onde ficava uma moça, e me perguntou:
-Quando foi mesmo que as compras foram feitas?
-Semana passada, não lembro o dia.
Ele olhou para a moça e ela começou a folhear retroativamente, dia após dia, uns formulários onde se lia no alto da página:
ITENS ESQUECIDOS.

Depois de alguns minutos de suspense, ela revelou:
-Aqui está: três sachês Whiskas e um vidro de Nescafé 500g.
-Venha comigo, disse o gerente.
Aí ele me levou na seção de cafés e achamos, para grande alegria minha e do meu amigo de infância o gerente substituto, a jarrinha de café, que continuava lá como um exemplar único, mas só que lá em cima, na última prateleira, quase invisível. Ele esticou o braço e pegou. Depois ele me levou na seção de comida de gatos, me deu os três sachês, mandou botar tudo numa sacola, se despediu de mim ainda todo sorridente e simpático, eu saquei dinheiro e fui assistir a história fantástica do Quarteto Fantástico.

O CORREDOR MALASSOMBRADO

Finalmente, depois de um longo e tenebroso inverno, no caso quase literalmente, a Velox foi reinstalada na minha linha. Escrever no blog sem a Velox é um saco, o Blogger demora séculos pra carregar qualquer besteira, quando não endoida de vez e some com tudo que você escreveu. Agendaram mil vezes pra só hoje o cara vir de verdade. Quando eles queriam vir eu ainda não tinha feito a gambiarra da linha da sala pro meu quarto, e quando fiz eles sumiram. Dizem eles que um técnico veio uma vez e não havia ninguém em casa. O que é uma calúnia, pois praticamente não saí do apartamento durante todas as minhas férias, afinal viajar pra que, pagar pra ter raiva de avião atrasado? Tinha gente em casa sim, só não tinha gente acordada. Eu bem que disse à anta da atendente pra não mandar ninguém antes das onze da madrugada. As férias já estão acabando e não fiz quase nada do que tinha planejado, que era organizar os meu livros e os meus cds, uma maratona digna dos doze trabalhos de Hércules. Mas, se nada mais eu fizer, valeu só pelo corredor malassombrado que eu montei com as onze gravuras das assombrações do Recife Antigo de Lula Cardoso Ayres que minha mãe me deu. No corredor não se bota mais nada na parede, ficará exclusivo para as assombrações. E hoje eu já mudei a lâmpada, de branca-florescente troquei pra amarelo-âmbar, pra ficar mais lúgubre e combinar melhor com as figuras espectrais e com o encardido do papel antigo. Ficou um mundo à parte, um portal para um universo paralelo e misterioso. É uma delícia circular pelo corredor malassombrado.

sexta-feira, junho 15

POST DA PREGUIÇA

Férias. Um amigo, o mesmo que arranjou a gata, me arranjou um gato. Dessa vez é gato macho mesmo, e vira-lata, antítese da saudosa Molina. Botei o nome dele de Farol, dada a circunferência exagerada dos seus olhos amarelos, mas a minha assessora aleatória para assuntos domésticos insiste em chama-lo de Zoião. Filhote que come feito gente grande. Agora mesmo está devorando o resto da carne de sol que roubou do meu prato que estava em cima da cama enquanto eu teclava essas mal traçadas. Estamos competindo pra ver quem dorme mais nessas férias, mas eu já sei de antemão que ele vai ganhar disparado.