AREZZO-DE-FESTA
De vez em quando me dá uns lapsos de memória quando vou escrever alguma palavra usada com menos freqüência, mais ou menos como me esqueço do nome das pessoas com as quais convivo só nos fins de semana. Ainda outro dia fui escrever "admirar" e me deu um branco: é "admirar" ou "adimirar"? Um amigo meu dizia que se estiver em dúvida como se escreve seiscentos, é melhor passar dois cheques de trezentos. Mas aí também era desaforo, e até porque achar um substituto para "admirar" ia dar mais trabalho do que checar a grafia correta. Fui no nosso grande amigo Google e escrevi "adimirar" (que era a versão que me parecia mais mobral) e ele me sugeriu gentilmente "você não quer dizer 'admirar'?" Valeu, Guga, a idéia era essa! Já ia voltar alegremente pro meu e-mail, mas os olhos, sempre mais rápidos do que o mouse, pousaram numa frase de chamada de uma página que dizia alguma coisa como "mulheres acompanhadas de outros homens são mais admiradas...". Curiosidade mantém o gato vivo, fui lá cascavilhar. Tratava-se de uma seção feminina do site Terra, devidamente decorada de rosa e lilás, que dava dicas em geral às mulheres, e desta feita ensinava que elas devem chegar nos lugares acompanhadas de outros homens, se querem ser admiradas pelos homens que lá já estão. O texto, evidentemente escrito por uma também mulher, continuava dizendo que, na presença de outros homens, a mulher libera e acentua a sua feminilidade, além de ser um chamariz de paqueras, porque os outros homens que lá já estejam vão querer saber que mulher é essa tão interessante que tem tantos homens ao redor dela. Achei encantador. A fina flor da canalhice feminina. Isso explica muito convite absurdo que tenho recebido. Não que eu seja tão ingênuo a ponto de não estar ciente desse papel acessório que os homens às vezes desempenham, temos cá entre nós até um nome para isso: arroz. Ou seja, ele não é o prato principal, serve só para acompanhar:
"- Olha aquela gata ali; sim, mas ela está acompanhada; que nada, aquele cara tá ali só de arroz.".
Ou ainda:
"-Não vai dar, eu fiquei de ir com fulaninha pra tal canto, mas não tá rolando nada, eu vou só de arroz."
O que eu fiquei admirado foi de o conceito estar ali exposto assim aos quatro ventos para quem quisesse ver, registrado e catalogado com todas as letras, com se fosse uma dica de estética facial ou a última dieta de Beverly Hills. Não havia o menor tom de malícia no texto, como haveria, por exemplo, se fosse um texto da Playboy dando dicas a homens como burlar a vigilância da namorada ou coisa parecida. A coisa era tratada como se fosse um direito adquirido (ou será adiquirido?) das mulheres usarem os homens como bem entendessem e melhor lhe aprouvessem para atingir os seus objetivos mais imediatos. Se o homem-arroz que a foi buscar em casa de carro pra levar pro barzinho da moda estiver interessado nela, tanto melhor para ela e tanto pior para ele. Ele que se exploda. Afinal, as mulheres já são tão historicamente oprimidas e cheias de desvantagens, que têm mais é que aproveitar as poucas vantagens do seu gênero, como mais ou menos dizia a Marquesa de Merteuil à sua pupila em "Ligações Perigosas". O texto do site de dicas não era implicitamente imoral, como seria o da Playboy; era explicitamente amoral.
Aliás, que fique claro que eu estou me referindo ao texto em si, não estou generalizando essa amoralidade a todas as mulheres, e nem estou dizendo que as mulheres não possam ter amigos que as acompanhem. Diga-se também a favor delas que geralmente elegem um amigo gay como o arroz oficial. Mas o fato do texto existir naqueles termos, e num site de enorme circulação como o Terra, reforça a minha tese, creio que aqui já exposta, que a astrologia atrai mais as mulheres por ser uma religião sem pecados e sem prestação de contas. A religião tradicional diz: "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo", que traduzindo, quer dizer: não faça com os outros aquilo que você não quer que façam com você. Aí vem a religião pagã e diz: "Você que é de Capricórnio, se for inteligente e esperta, e se souber usar a sua natural sedução, terá hoje grandes chances de encontrar o eterno amor da sua vida."
Convenhamos, a tentação é enorme.
"- Olha aquela gata ali; sim, mas ela está acompanhada; que nada, aquele cara tá ali só de arroz.".
Ou ainda:
"-Não vai dar, eu fiquei de ir com fulaninha pra tal canto, mas não tá rolando nada, eu vou só de arroz."
O que eu fiquei admirado foi de o conceito estar ali exposto assim aos quatro ventos para quem quisesse ver, registrado e catalogado com todas as letras, com se fosse uma dica de estética facial ou a última dieta de Beverly Hills. Não havia o menor tom de malícia no texto, como haveria, por exemplo, se fosse um texto da Playboy dando dicas a homens como burlar a vigilância da namorada ou coisa parecida. A coisa era tratada como se fosse um direito adquirido (ou será adiquirido?) das mulheres usarem os homens como bem entendessem e melhor lhe aprouvessem para atingir os seus objetivos mais imediatos. Se o homem-arroz que a foi buscar em casa de carro pra levar pro barzinho da moda estiver interessado nela, tanto melhor para ela e tanto pior para ele. Ele que se exploda. Afinal, as mulheres já são tão historicamente oprimidas e cheias de desvantagens, que têm mais é que aproveitar as poucas vantagens do seu gênero, como mais ou menos dizia a Marquesa de Merteuil à sua pupila em "Ligações Perigosas". O texto do site de dicas não era implicitamente imoral, como seria o da Playboy; era explicitamente amoral.
Aliás, que fique claro que eu estou me referindo ao texto em si, não estou generalizando essa amoralidade a todas as mulheres, e nem estou dizendo que as mulheres não possam ter amigos que as acompanhem. Diga-se também a favor delas que geralmente elegem um amigo gay como o arroz oficial. Mas o fato do texto existir naqueles termos, e num site de enorme circulação como o Terra, reforça a minha tese, creio que aqui já exposta, que a astrologia atrai mais as mulheres por ser uma religião sem pecados e sem prestação de contas. A religião tradicional diz: "Amarás ao teu próximo como a ti mesmo", que traduzindo, quer dizer: não faça com os outros aquilo que você não quer que façam com você. Aí vem a religião pagã e diz: "Você que é de Capricórnio, se for inteligente e esperta, e se souber usar a sua natural sedução, terá hoje grandes chances de encontrar o eterno amor da sua vida."
Convenhamos, a tentação é enorme.