quarta-feira, agosto 31

OS FANTASMAS SE DIVERTEM

Foi só transferirem a Redação do JC pra Santo Amaro pros principados e potestades das regiões sombrias se assanharem todos e resolverem combinar de me assombrar. Ontem eu ia voltando a pé pra casa, que o meu Fiesta 96 estava só com dois pneus furados, e um fantasma de longos cabelos brancos e vasta bigodeira idem gargalhou e me saudou amistosamente, como se fosse meu velho amigo. Ele estava bebendo cachaça no barraco da esquina, e lembrei segundos depois que era um antigo operário de impressora da Gráfica Liceu, que fica nessa mesma esquina da Rua do Lima com a rua da Fundição onde está atualmente o JC. Foi lá onde arranjei o meu primeiríssimo emprego nos idos e vividos de 1978, contava eu perplexos 15 anos de vida. Consegui esse estágio através da Escola Técnica Federal de Pernambuco, onde eu cursei Edificações e descobri que não queria ser arquiteto. Como raios esse desgraçado me reconheceu depois de tanto tempo? Eu próprio não me reconheço. Continuando minha peregrinação em busca dos pneus perdidos, cruzei o Parque 13 de Maio e ganhei a Riachuelo, e ao entrar na Rua da União, bem em frente ao fantasma de pedra de Manuel Bandeira, eis que um sujeito alto e forte, de ombros largos e espadaúdos, me intercepta e diz: -Lembra de mim? Vim cobrar minha dívida. Tive que olhar pra cima, o cara era alto pra caramba. Quando porém fitei o seu rosto, de repente ele começou a diminuir de tamanho, diminuir, diminuir, até ficar da altura do meu peito, bem magrinho e cabeçudo. Agora era ele que olhava pra cima. Era um menino que morava ao lado do escritório de uma organização protestante através da qual eu fui morar nos Estados Unidos em 1982. Ele ficava brincando pelo corredor do edifício, e sabe Deus como me fez prometer trazer um Bíblia em inglês pra ele dos States, quando e se um dia eu voltasse. -Claro! A Bíblia em inglês! Ele ficou genuinamente comovido com a minha lembrança, e me disse que só o fato de eu ter lembrado dele e da promessa já valia o presente em si. Acrescentou que hoje em dia não lia a Bíblia mais nem em português, quanto mais em inglês. E depois de muitos e fervorosos agradecimentos, sumiu tão misteriosamente quanto apareceu.
Pois hoje eu acordei disposto e, apesar de já ter consertado os pneus, decidi vir andando pro jornal. Quando vinha chegando agora perto do cruzamento da Rua do Lima com a da Fundição, alguma coisa aconteceu no meu coração: um sujeito surge do nada, e acompanhando meus passos puxa conversa comigo sem mais nem menos. Pela camisa azul com divisas e botões nos ombros vi que ele era uma espécie de mensageiro, contínuo, ou coisa que o valha, e de fato levava um envelope numa das mãos. Disse ele: deve ser muito ruim morar por aqui, né? Eu ia concordar pra não dar asas à conversa, mas como estava um dia ensolarado e radiante, saiu o oposto: -Não, até que não, é bem tranquilo. -Mas essas ruas desertas, à noite deve ser uma coisa muito esquisita. -Não, não é tão deserto assim, eu mesmo não moro aqui mas trabalho ali no jornal, e tem muita gente de madrugada pelas ruas botando os jornais nos caminhões. -Ah, sim. Apressou o passo e afastou-se flutuando rapidamente nos seus solados de sapato gastos que, apesar de não serem de borracha, não faziam barulho algum.

sexta-feira, agosto 26

WEEKEND FORTUNE COOKIE

"Some Cupid kills with arrows, some with traps."

Willian Shakespeare, in Much Ado about Nothing, act. III, sc.1.

quinta-feira, agosto 25

Blogart Holmes

Esse blog previu que o depoimento de Duda Mendonça iria complicar Lula (Watergate) e previu a reabertura da investigação sobre os assassinatos dos prefeitos de Campinas e de Santo André (Brincando de Carrinho em 1984). Te cuida, Ricardo Noblat!

quarta-feira, agosto 24

SHORT STORY

Há 45 minutos atrás fui atropelado por uma moto. Foi lindo. Estou gripado e com frio na Redação, aí resolvi ir buscar meu casaco jeans em casa, que fica a cinco minutos de carro. Quando fui dobrar pra entrar no estacionamento, sai uma moto do nada e tenta me cortar pela direita, me entra lataria adentro, quebra meu espelho da porta e espatifa a calota, indo cair a uns cinco metros numa queda cinematográfica, com direito a rolagem no asfalto e capacete voando. Quando vi que ele estava vivo e bulindo, botei a culpa nele, ele botou a culpa em mim, os taxistas de plantão me deram razão, fui em casa, peguei minha jaqueta e vim embora.

terça-feira, agosto 23

ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU

Leio no blog de Cris um post surrupiado, o qual eu ressurrupio e posteio aqui. Uma cidadã de um outro blog formulou essas três leis da termodinâmica sentimental:

Lei primeira: Se valer a pena, não vai se interessar por mim.

Lei segunda: Se for cheio de problemas, feio, beber, fumar, não tiver emprego, nem dinheiro, um passado todo cheio de complicações, vai se apaixonar terrivelmente por mim.

Lei terceira: Se eu me apaixonar, pode ser feio, beber, fumar, não ter emprego, nem dinheiro, um passado todo cheio de complicações, que, ainda assim, mesmo em tese devendo agradecer a Deus pela única pessoa lúcida no mundo (eu) se interessar por ele, cagará solenemente na minha cabeça.

Nota-se que essa cidadã nunca leu "A Riqueza das Nações", de Adam Smith; "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", de Max Weber e "A Era da Incerteza", de John Kenneth Galbraith. Lido houvesse, resumiria tudo numa só lei:

Lei da oferta e da procura: aumentando a oferta, diminui a procura; diminuindo a oferta, aumenta a procura.

Toda mulher, desde a mais tenra infância, sabe institivamente que essa lei da economia é perfeitamente aplicável ao amor. E depois sou eu que sou prolixo.
Ao ler esse post, Madame Mardoux, do alto do seu Olimpo do Botafogo, sentenciou:

Que mané Weber! Mardoux, em sua santa sabedoria, formulou a LEI DO POMBO: cague na cabeça alheia e o alheio se apaixonará.

Ao que eu respondi que dá no mesmo, ao cagar na cabeça do alheio você está diminuindo temporariamente a oferta de afeto, o que fará a procura aumentar. Mas aparentemente a mulherada está se limitando em analisar apenas a arte da conquista propriamente dita, e se esquecendo do posteriori, mais ou menos como um cachorro que corre atrás de um pneu e quando o carro finalmente pára ele não sabe bem o que fazer com aquilo. A Lei da Oferta e da Procura vale até que a morte os separe. A própria Mme. Mardoux já me confidenciou que detesta homem babão, ou seja, paparicação em demasia a entedia ao ponto de vir a desprezar o que antes era objeto de desejo. Excesso de oferta faz cair os preços da mercadoria. Por outro lado, se esse mesmo homem babão botar um chifre em Mme. Mardoux, ela vai ficar muito puta da vida, mas vai se reapaixonar, porque houve um aumento de procura da sua mercadoria, o que fez subir as ações do babão no mercado. Tem muita gente que, para aquecer uma relação, simula uma alta das ações, ou seja, usa algum amigo ou amiga pra fazer ciuminho e manipular artificialmente para cima a sua cotação na bolsa de valores. Resumindo, temos uma infinidade de variáveis, exatamente como na economia, e o ideal é atingir um equilíbrio cambial na balança comercial, com lastro da moeda em poupança interna, crescimento sustentável do PIB e uma inflação controlada de no máximo uns 7% ao ano.

domingo, agosto 21

Lei Marcial

Ontem saindo da Cultura encontro Márcio, que era ilustrador nas horas vagas e agora resolveu sair do armário embutido e assumir de vez o seu lado arquiteto. Márcio, que estava todo serelepe de mãos dadas com uma namorada cujo nome era Márcia, não faz idéia que uma outra Márcia, e também arquiteta, foi quem arquitetou uma pequena faceta do seu destino. Acho que já disse aqui em algum lugar que minha consultora para assuntos do coração é a Madame Mardoux, que também atende pela alcunha de Márcia Furriel. Quando certa feita estava prestes a me separar, consultei a minha pitonisa dos Delfos e oráculo de Diana, e ela me sibilou o seguinte sortilégio: "Pense nos seus primeiros momentos juntos e tente recordar o que foi que te atraiu para ela."
Achei aquele troço bonito pra caramba e foi exatamente o que fiz, e por uns tempos a paz conjugal reinou em sua mais perfeita harmonia no nosso lar-doce-lar. Márcio, nesse tempo, ainda trabalhava como prestador de serviço tirando férias dos ilustradores no JC, e veio um dia me falar, todo capiongo, que estava em crise conjugal e pensando em separação. Não tive dúvida: mandei ver a máxima mardouxiana pra cima dele. Ele ficou encantado e seguiu à risca a cabalística profecia. Depois enfurnou-se cada vez mais pro lado da arquitetura e perdemos contato. Anos depois, ele me liga no jornal e entre outros assuntos, me confessa, constrangido e envergonhado, que tinha se separado, só conseguiu ficar mais um ano pensando nos primeiros momentos juntos e tentando recordar o que o atraiu para a ex-esposa.
E eu: -Ah, eu também já me separei faz tempo.
Ele: -O quê?!? Você também?!? E aquele negócio que você me falou? Isso é coisa que se faça? Por sua causa eu amarguei mais um ano naquela merda daquele casamento! Vai tomar no cu, seu filho da puta!!!
Pois é, Márcio, a nossa pitonisa esqueceu do velho adágio:
"A mulher casa pensando que o homem vai mudar. O homem casa pensando que a mulher não vai mudar nunca. Ambos se decepcionam."

quinta-feira, agosto 18

O HOMEM QUE BURLOU A MÁFIA

Como um vivente que nasceu e viveu parte da vida antes da invenção dos Shopping Centers, ainda carrego dentro do peito um sentimento de rebeldia contra essas pequenas ilhas de faz-de-conta em meio a um oceano de realidade. Antigamente, nos bons tempos da minha mocidade que não voltam mais à sombra dos cafezais, eu ia ao cinema e assistia a quantas sessões do filme eu quisesse, comprava pipoca a um preço irrisório e estacionava de graça, não necessariamente nessa ordem. Necessariamente nessa ordem foi a minha sistemática e persistente desobediência civil ao sistema xopiniano de ser. Já narrei aqui a minha infiltração em outra sessão começada logo depois do final da minha e como assisti de graça a um outro filme, isso no Tacaplex. Completei finalmente a minha trilogia subversiva no Reciplex. Quando fui assistir o Água Negra, fui comprar pipoca e o cara disse que com mais 50 centavos eu poderia comprar o sacão de pipoca. Ora, o saquinho que eu tinha comprado por quase o equivalente ao preço do ingresso já era pelo menos umas dez vezes maior do que o saco que eu comprava no cine Albatroz em Casa Amarela. O sacão, então, dava pra alimentar com sobras uma família de cinco membros durante uma semana. Foi o que eu disse ao vendedor, e ele respondeu "-pois é, agora estamos com o sistema americano, de tudo exagerado demais. Pera um pouquinho, fica peixe aí." E foi lá na pipoqueira, encheu um balde absurdo de pipoca e botou junto do meu saquinho. E disse em voz alta, pro outros vendedores ouvirem: "É uma troca por um maior, né?" E mandou eu levar os dois, sem nem ao menos dar os 50 centavos da diferença. Nada mau para um início de revolução: meu primeiro cúmplice já era um infiltrado no inner circle. Nem me importei muito com a platéia achando que eu era algum psicótico da pipoca quando entrei com os meus containers e minha coca light, o processo revolucionário já havia começado a girar as suas engrenagens e não havia retorno. Juro que tentei comer toda a pipoca, mas não deu, parei na metade do sacão, pelo qual, claro, eu havia começado. Derramei o saquinho no sacão e guardei mantimentos para futuros infortúnios, nunca se sabe até onde a clandestinidade vai nos levar. Entusiasmado com a segunda vitória em dois shoppings diferentes, resolvi radicalizar de vez e declarar guerra total e aberta. Na saída do estacionamento, dei o papelzinho e não dei o dinheiro. A moça: -são dois e cinquenta, senhor. Eu:- não tenho dinheiro, senhora. Ela pensou que eu não tinha entendido direito e repetiu, como uma gravação: -são dois e cinquenta, senhor. Eu, gaulês irredutível: -não tenho dinheiro, senhora. Ela finalmente resolveu olhar pra minha cara. Eu a encarei com a cara mais lisa do mundo, com trocadilho. Ela: senhor, se o senhor não tiver trocado, pode ir tirar no caixa eletrônico, pode furar a fila quando voltar. Não, senhora, eu não tenho dinheiro nenhum, nem aqui, nem em casa, nem no caixa eletrônico e nem na China, os últimos centavos que eu tinha na face da terra foram gastos com pipoca, portanto eu estou a nenhum, nada, zero, nientes, só me resta esse saco de pipocas, quando ele acabar, sentarei no chão e morrerei de inanição. Ela, que me fitava meio incrédula, finalmente sorriu, me pediu gentilmente para estacionar de lado para liberar a fila que já se avolumava atrás de mim e mandou um cara com um walkie-talkie chamar o gerente. O gerente chegou, de paletó e tudo. Qual é o problema, senhor? Repeti a mesma ladainha. Ele me olhou com uma cara de "o médico disse pra não contrariar", mandou walkie-talkie buscar um formulário, onde, entre outras opções, lia-se: não tinha dinheiro. Tasquei um x nesse quadradinho, ele me desejou uma boa noite, muito polido e seguro de si, como se fizesse parte da rotina. No caminho de casa, o primeiro vigilante de obra que avistei ganhou o maior saco de pipoca da vida dele. Power to the people.

segunda-feira, agosto 15

W&W´s

Ontem eu estava precisando de uma massagem nos olhos e fui ver Jenny Connie (já somos íntimos faz tempo, desde a cena do gramofone em "Era Uma Vez Na América") no sombrio, em todos os sentidos, "Água Negra" de Waltinho Salles. Por que não "Águas Turvas"? Sei lá, só sei que o filme não é ruim. Por eliminação, pode-se dizer que é bom. Pode ser também que, como eu fui ao cinema sem nenhuma expectativa a não ser passar duas horas paquerando Jennifer Connely, me deliciando com suas sobrancelhas espessas e negras e seu nariz de pinóquia, a coisa toda me pegou de surpresa. O fato é que numa determinada hora, a qual eu não vou nem sugerir pra não estragar, me passou um arrepio no corpo todo, como uma descarga elétrica, e demorou um pouquinho pra sair. Fazia tempo que eu não sentia isso no cinema, a última vez foi com "O Exorcista", em 1975. Waltinho se garantiu, conseguiu fazer um filme de terror sem descambar para o ridículo, e fez um filme sobre afeto familiar sem ser excessivamente piegas. Usou a aura frágil de Jennifer com sobriedade e competência, numa iluminação pra lá de claustrofóbica. Não é nenhum "O Iluminado", mas está bem distante de "Pânico". É mainstream, é roliúde com filtro, mas é mais que pipoca. É M&M´s.

BASED ON A TRUE STORY

Essa me foi contada ontem por uma das minhas sobrinhas, aconteceu com o pai de uma amiga dela e é absolutamente verídica. Sorry, Cris, sei que verídica já é absoluta, mas eu precisava desse reforço, quando leres entenderás.


Casal no cinema. Começa o filme. Lá pelas tantas o homem começa a ficar inquieto e reclamar.
-Não tou gostando. Não tou entendendo nada.
-Como assim, querido? O filme é ótimo.
-Você falou que era a história do rei Charles, e até agora só tou vendo negro cantando aí. Cadê a Lady Di?
-Fica quietinho aí, quando chegar em casa a gente conversa...

sábado, agosto 13

WITH A LITTLE HELP FROM MY FRIENDS

Amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves dentro do coração. Ontem reencontrei o velho amigo Pedro Jorge no Garrafus. Pedro "Hans" Jorge está de férias relâmpago no Recife. Primeiro contato que tivemos eu estava com a missão de catequizá-lo como catecúmeno (Aurélio, please), contava ele uns doze, eu uns dezessete, eu panfletário, ele mal falava. Uma década depois, eu cético e ele falante, uma mera coincidência nos fez entrar juntos na Faculdade de Design. Fazíamos os trabalhos de Dinauro Dinossauro e perseguíamos guabirus a pedradas de bodoque às três da madrugada na Rua da Praia cantando aos berros o Requiem de Mozart. Trancou o curso e foi pra Sinfônica de Berlim, onde se tornou solista de contrabaixo. Ontem, segundo ele próprio, acrescentamos mais um item na nossa lista de atividades esdrúxulas dividindo um palco tocando "Day Tripper" dos Beatles. Depois fomos com mais dois amigos comer hambúrguer gigante com milk-shake e contar piadas no PinUp. Dentro de alguns dias voltará com mulher e filhos, um deles ainda na barriga, pra Frankfurt, em cuja sinfônica toca atualmente. Espero que o nosso reencontro o faça continuar citando a máxima de Tom Jobim:
"Morar no exterior é bom, mas é uma merda. Morar no Brasil é uma merda, mas é bom."

sexta-feira, agosto 12

WATERGATE 2

Duda Marketeiro afundou de vez o Titanic, e o Capitão foi pro fundo do mar junto com a tripulação. Brasil está à deriva, presidente agora só ano que vem.

quarta-feira, agosto 10

NO SHIT, SHERLOCK!

Por que será que as mulheres têm vergonha de fazer cocô? Isso é muito profundo, com trocadilho. Vide post no blog de AnnaBlackNery no link aí ao lado. Eu já dei a minha escatológica contribuição, vamos ver o que dizem as mulheres que aqui blogam.

terça-feira, agosto 9

VAMOS BRINCAR DE CARRINHO EM 1984

Talvez estejamos sendo ingênuos em pensar que o que está sendo denunciado na política brasileira é a corrupção. Antes fosse, porém receio que seja muito pior. Lembro de Winston e Julia, em "1984" de Orwell, dizendo um ao outro que amavam tudo que fosse corrupto. Só existe corrupção por causa da garantia dos direitos individuais. Na Arábia Saudita, em Cuba e no Irã, existe pouca corrupção, mas não existe liberdade. Nos Estados Unidos, na Alemanha, na Inglaterra, na Espanha, na Itália e no Brasil existe muita corrupção. Na Espanha, na Itália e no Brasil existe mais impunidade do que naqueles outros países, por causa da formação católica. O ascetismo calvinista dos países de formação protestante é menos tolerante com a desonestidade, talvez por não haver santos intermediários a serem subornados com promessas e oferendas, a coisa é tratada diretamente com o Chefe. Mas onde existe liberdade, existe corrupção, e vice-versa.

Lula, Zé Dirceu e a cúpula do PT não estavam embolsando dinheiro, a única escorregadela talvez tenha sido a de Silvinho, com o seu sonho infantil de brincar de carrinho. Estavam montando um Estado totalitário à custa de suborno. Não dividiam o poder, botavam um líder de um partido da base aliada na cabeça de algum órgão e o resto do corpo, do segundo escalão pra baixo, era do PT. Pra fazer aprovar os projetos do Governo, subornavam os votantes do Congresso. Os projetos não eram discutidos com a base aliada, eram forçados goela abaixo dos deputados, tratados como prostitutas. Era a base subornada, e foi isso que Roberto Jefferson não pôde suportar. Ele poderia ter feito um acordo pra se livrar da cassação, antes de jogar essa fossa no furacão e provocar essa tempestade de merda. A cúpula do PT (e faço questão de incluir Lula, porque é muito improvável, pra não dizer impossível, que ele não estivesse na co-liderança desse projeto, basta ver a sua atitude atual) achou a coisa mais natural do mundo fazer o jogo da direita impura para perpetuar o poder da esquerda pura. Zé Dirceu, excetuando claro as mentiras óbvias, estava sendo sincero no seu depoimento. E é isso o que é de fato assustador. Ele não é chamado de arrogante por acaso. Precisa-se apurar com o maior rigor os assassinatos dos prefeitos petistas de Campinas, o Toninho, e o de Santo André, Celso Daniel. Tem stalinismo no meio, coisa braba, coisa séria. Deus nos livre de uma teocracia, seja ela religiosa ou atéia. Viva a corrupção e os land-rovers!

quarta-feira, agosto 3

Post Mortem

-E aí, aquele negócio tá de pé?
-Aquele negócio tá de pé, tou esperando só uma posição sua.
-Então me pega de quatro.
-Com o maior prazer.
-Vem de branco.
Apanhei Bia às quatro da tarde e nos enfurnamos nas brenhas de Olinda pra procurar um terreiro de macumba. Apesar do diálogo inicial, não era sacanagem, era pesquisa de campo pro mestrado de antropologia dela e eu ia no papel de acompanhante e eventual guarda-costas (vide post no blog dela ao lado). Foi mais fácil de achar do que eu pensava, tinha um monte de gente de branco indo na direção indicada no mapa. Bia estava também de branco da cabeça aos pés; eu, com um tênis que um dia foi branco, de calça jeans desbotadíssima e t-shirt branca com a marca da Goodyear. Foi o mais branco que eu consegui ficar, espero que os espíritos não sejam cismados contra as multinacionais de pneus. Chegando na porta uma mocinha miúda com uma expressão pungente nos atendeu, toda de branco, e nos pediu pra assinar uma ata ou livro de presença. Tinha gente em todo canto, nas portas e janelas, mas quem entrava tinha que assinar. Pra que, não sei, mas no ato da assinatura ganhava um bombom embrulhado em papel branco. Já fui vendo que o negócio era organizado, tinha merchandising e tudo. Logo na entrada via-se um grande bolo branco de noiva de vários andares. As paredes cobertas de azulejo com flores cor-de-rosa e salpicada de santos do baixo clero, como São Jorge e São Sebastião, aquele que fica amarrado numa árvore crivado de flechas. Uma bandeira do Brasil pintada cobria todo o teto e o chão estava atapetado com folhas de laranjeira, e o perfume das folhas pisadas enchia o salão. O batuque e a cantoria já estavam a plenos pulmões, e da porta do salão vimos o que parecia ser a cerimônia de abertura da convenção anual das vendedoras de acarajé: uma ala de baianas dançava em círculo, e no centro da roda dançavam os baianos, que como não tinham babados nas roupas e em vez de lenço usavam boinas, pareciam mais enfermeiros de hospital público. Volta e meia, sem mais nem menos, alguém cumprimentava um outro alguém esticando o pescoço de um lado pro outro e tocando ombro com ombro alternado, mais ou menos como os galos de briga fazem quando estão se estudando. O batuque não casava direito com a cantoria, ia cada um num ritmo diferente, no estilo daquele remix que fizeram de technohouse com canto gregoriano. O cantochão, puxado por um negão de três metros de altura por cinco de largura, era falado em dialeto africano e cantado em uníssono, era conhecido de toda a congregação e todos sabiam a hora exata de entrar e o que dizer. Devia repetir-se a cada cerimônia durante décadas a fio. Foi quando baixou o santo num mulato esguio e ele começou a fazer umas coreografias bem exageradas e olodúmicas, arregalando os olhos e fazendo caretas feito Daniel Day-Lewis em “Meu Pé Esquerdo”. Alguém encarregou-se de tirar o chapéu e os colares dele. Ele mergulhou de cara no chão e ficou esticadão lá. A ciranda continuava indiferente ao possuído, exceto quando ele vinha cumprimentar um ou outro no estilo galo de briga. Não cumprimentava a todos, e me escapou o critério de escolha. Bia dançava acompanhando o batuque. Eu me sacudia de vez em quando pra não causar muita espécie, porque embora não estivéssemos na roda, estávamos dentro do salão. Baixou o santo numa mulher baixinha, ela começou a dançar girando. Tiraram os colares dela também e ela mergulhou no chão lá junto da batucada, que estava lá do outro lado do comprido salão, bem longe de nós. A ciranda rodava. Daniel Day-Lewis continuava firme e forte, alheio à concorrência da baixinha. Uma negra gorda de lindo sorriso branco vinha distribuindo punhados de arroz com pétalas de cravo branco. Fomos agraciados também com o nosso quinhão. Olhaí, Bia, eu não disse que ia ter casamento hoje aqui, quero comer daquele bolo. Indaguei ao redor e nos explicaram que não se tratava de casamento nenhum, o arroz era pra jogar em Nanã, aquela que vai entrar de branco e roxo. Deveria ser o clímax da coisa toda, e imaginei Nanã uma velha matriarca de cabelos prateados, nigérrima e gordíssima, filha da fundadora cuja foto as paredes de azulejo ostentavam. Ou neta, uma vez que esses terreiros geralmente são tão seculares quanto os maracatus. De repente uma agitação na entrada e um séquito de homens e mulheres muito graves e vestidos de lilás abrem alas pela multidão. Tentei identificar Nanã naquela floresta de renda branca, mas a procissão já se postava diante dos batuqueiros. Alguém jogou um punhado de arroz. Jogamos os nossos também assim meio sem destino, torcendo pra que atingisse Nanã. Ficávamos nas pontas dos pés tentando encontrar alguma brecha, mas a multidão, que continuava dançando e girando ao som do batuque, nos deixava ver apenas flashes. Assim não dá, puxei Bia e fomos nos acotovelando de mansinho pra mais perto do foco dos acontecimentos. O que quer que Nanã estivesse fazendo, ela o fazia nas regiões inferiores fora do alcance da nossa visão, e as pessoas do time lilás tinham que se abaixar pra cumprimentá-la ou pedir seus conselhos no chão. Foi quando eu vi Nanã. Um corpinho miúdo e raquítico, ajoelhada com o rosto no chão, e por baixo do vestido lilás emergia nas costas uma generosa corcunda. Coitada da velhinha, já deve ter uns novecentos anos. Foi quando Nanã desmaiou exausta e a carregaram nos braços desacordada pra uma cadeira perto da banda e depois, sob aplausos gerais, pra fora do salão. Vimos finalmente o rosto de Nanã: não tinha nem dezessete anos, e era exatamente a mocinha miúda de expressão pungente que nos tinha atendido no início com os bombons, com uma expressão mais pungente ainda. Tivemos portanto uma recepção de gala, recebidos pela estrela principal da festa. O batuque continuou, e a dança também, mas era o meu domingo de plantão na Redação e eu tinha que ir. Não sem antes prometer à Bia que voltaríamos pra ver a Jurema, que é o ritual fechado ao público, só para os iniciados, conforme nos explicou um negão gay que fazia as vezes de relações públicas na saída. Ele nos deu a cada um uma cartilha com um dicionário de termos e notas explicativas, onde ficamos sabendo que Nanã não era exatamente a mocinha, mas a entidade espiritual que ela, e tão somente ela, recebia. Não deu pra ficar pra comer o bolo de noiva de Nanã, tive que me contentar com o bombom que ela me deu. O meu e o de Bia, que, graças aos santos, ficou com medo de comer o dela.

WATERGATE

O nível da água continua subindo perigosamente no Titanic. Já chegou em Duda Mendonça, com o depoimento hoje na CPI dos Correios da diretora financeira da SMPB Simone Vasconcelos. Duda é o marketeiro pessoal de Lula. Hum...

terça-feira, agosto 2

AAAAARRRRRRGGGHHH...!!!

Ouvirrrrrr o depoimento de José Dirrrrrrceu com sotaque de Pirrrrrracicaba tá foda. Mas ouvirrrrrr duas vezes ao mesmo tempo na Redação com o delay de um segundo da Band pra Globonews tá dupliplus foda.