sexta-feira, outubro 31

O CASO DO ROUBO DAS CASTANHAS QUEIMADAS

Por causa da queda das bolsas, metade do dinheiro que estava destinado para a compra do meu apartamento ficou se esvaindo pelo ralo, visto que era FGTS aplicado em ações da Vale do Rio Doce. Um colega de trabalho me indicou um gerente da Caixa de Igarassu, que era amigo de infância dele e que o tinha orientado na compra da sua casa própria, para me dar orientações pertinentes sobre o assunto.

Lá vou eu portanto para Igarassu, onde recebi de fato orientações pertinentes e outras um tanto impertinentes, e na saída errei o caminho, em vez de voltar pro Recife, fui em direção a Itamaracá. Notei o erro, mas como não tinha nada pra fazer naquele momento, fui indo pra ver a paisagem e no que é que dava. A estrada era bonita e arborizada, cheia de bambuzais nos lados, e de repente me invade as narinas um cheiro de castanha assando. Me trouxe reminiscências da infância, e assim que avistei a fumaça parei no acostamento.

O vendedor de castanhas também vendia côco, e como era hora do almoço e estava muito quente, resolvi tomar um bem geladinho. Ele disse que o saquinho de castanha custava dois reais, mas fazia três por cinco. Eu tinha exatos cinco reais na carteira, e como já estava bebendo a água do côco, ele resolveu deixar fiado pra me vender mais castanhas.

Essas castanhas de beira de estrada são as melhores, porque ficam com um gostinho meio que de defumadas, e sempre o cara que assa erra um pouco o ponto e queima algumas, o que dá um sabor todo especial. Perguntei se já era tempo de caju, e ele disse que ainda não, aquelas tinham vindo do Ceará. O que tirou um pouco do encanto e da autenticidade, mas pelo menos era ele mesmo que assava e quebrava a casca.

A água de côco que entrou reivindicou espaço na bexiga, e tive que ir verter o excesso numa árvore mais escondida indicada pelo vendedor. De volta, topei com a mesa tosca e rústica na qual ele quebrava as castanhas, e tinha um lote de muito queimadas que ele julgou que a clientela não iria aceitar, e estavam espalhadas pela mesa, certamente esperando pra ir pro lixo. Ora, se são as que mais gosto, recolhi todas e já ia mandar botar no caderninho recém aberto, esperando, é claro, que ele me dispensasse do pagamento com um sorriso de piedade pela minha excentricidade.

Mas ele já estava atendendo a outro carro que tinha parado, uma grande família com crianças, genros e sogras. Fiquei acanhado de divulgar a minha excentricidade pra tanta gente, e botei as castanhas queimadas no bolso e fui embora sem ser notado. Quando for pagar o côco, na minha próxima consulta ao oráculo da Caixa de Igarassu, comunicarei o roubo e implorarei por misericórdia.