quarta-feira, julho 26

CORRETO VERSUS INCORRETO

Hoje revi "Você já foi à Bahia?", desenho da Disney de 1943, dizem que feito sob encomenda para consolidar culturalmente a política americana de boa vizinhança do pós-guerra. Além de mil gargalhadas, o que me chamou a atenção foi o enorme e inseparável charuto que Zé Carioca ostentava, impensável numa personagem infantil de hoje, e muito menos da Disney. O camelo mascote da marca de cigarros Camel, desenhado como um bichinho de desenho animado, foi simplesmente banido do mapa.

No "Falcão Negro em Perigo", o único filme de guerra que me deixa realmente nervoso, um guerrilheiro somali oferece um cigarro a um soldado americano feito refém na guerra civil da Somália da décade de 90. Quando ele recusa, o guerrilheiro diz: "-Ah, esqueci que vocês americanos não fumam mais. Todos vivem vidas longas, chatas e desinteressantes."

Cole Porter teve que mudar a letra, ou mudaram pra ele, da canção "I get a kick out of you". A frase "some get their kicks on cocaine" virou "some like perfume from Spain". Quando Frank Sinatra cantava essa nova versão, que deve ter sido interferência da patrulha ideológica feroz do governo americano da década de 50, ele fazia um muchocho e dizia "pfuit!".

A patrulha do politicamente correto, porém, chegou muito tarde para o próprio Walt Disney: ele fumava que nem chaminé e morreu de câncer no pulmão.

segunda-feira, julho 24

SE QUERES A PAZ, PREPARA-TE PARA A GUERRA

A primeira coisa que eu vou ensinar ao meu filho, se e quando tiver um, não vai ser jogar futebol, tecar bola de gude, empinar pipa ou andar de bicicleta. Isso é coisa para pais amadores, e eu pretendo ser um pai profissional. Os pais ensinam essas coisas aos filhos com o mesmo instinto darwiniano com que os gatos treinam os filhotes a pegar borboletas e formigas, para que depois eles possam pegar passarinhos e ratos e se virarem sozinhos na cadeia alimentar. É claro que andar de bicicleta dá ao pirralho um senso de autonomia e indepedência; futebol treina a disciplina e o confronto de forças contrárias; bola de gude aguça a coordenação motora; e a pipa seria talvez uma metáfora dos altos vôos futuros e da total liberdade de expressão. Nada contra. Mas a primeira coisa que eu vou ensinar ao meu filho, se e quando tiver um, será uma coisa que condensará todos esses conceitos num só ensinamento, unirá todos esses requisitos numa só habilidade: a primeira coisa que eu vou ensinar ao meu filho será pregar botão de camisa. Isso sim, é o que ele realmente vai precisar por toda a vida, e nada cortará mais radicalmente o seu cordão umbilical. Até porque, convenhamos, andar de bicicleta, jogar futebol, tecar bolinhas de gude e empinar pipa são coisas que ele vai aprender de qualquer jeito por osmose com os amiguinhos dele, e em muito breve excederá em habilidades o próprio pai, que pensava estar abafando. E no meu caso, em se tratando de futebol, o pirralho até que nem vai precisar se esforçar muito.
Não existe nada mais desamparado do que um homem que não sabe pregar o botão da própria camisa, da mesma forma que não existe imagem maior do abandono do que um homem com a camisa faltando um botão. No entanto é uma imagem sutil, que se nos insinua no inconsciente de uma maneira quase subliminar. E as mulheres, sabendo disso (elas sabem de coisas que nem desconfiamos), apressam-se em pregar imediatamente o botão que está faltando da camisa do marido, antes que ele saia pro trabalho com a camisa de qualquer jeito. Elas têm certeza absoluta que quando as outras mulheres, as colegas de trabalho do marido, virem um botão faltando na camisa, entenderão como um sinal verde para atacar a presa, porque deduzirão que o casamento deve estar à deriva, pois que esposa desnaturada deixaria o seu marido ir trabalhar com um botão faltando? Simples demarcação de território. Alguém poderá argumentar se a solução não seria aderir de vez ao uniforme básico de camisas de malha tão em voga hoje em dia, mas não se pode ir a todos os lugares, em todas as ocasiões e em todas as profissões de t-shirt retrô.
E agora viremos a luneta pelo lado oposto para que se transforme num microscópio: e por que raios o homem deixou que a camisa ficasse sem botão até que a dedicada esposa o pregasse? O tempo que leva um botão, do exato momento que cai até ser detectado e devidamente costurado de volta no lugar, segundo apuradíssimas pesquisas conduzidas por mim próprio, é de aproximadamente uma semana. Tempo do ciclo da roupa suja se transformar em roupa limpa, engomada e... epa, tá faltando um botão. Por que será que assim que o homem, ao arrancar os últimos fiapos drapejantes das linhas que seguravam precariamente o botão moribundo, não o pregou de volta imediatamente? Porque quando ele era criança, quem fazia isso era a mãe dele, e portanto, quem tem que fazer isso agora é a esposa. Clássica transferência freudiana. Lá chegava ele na hora do almoço de um ensolarado sábado de janeiro, todo sujo de areia, voltando do futebol, da bola de gude, da pipa ou da bicicleta, e avistava a mãe sentada diante da luz de uma janela, formando um comovente chiaroscuro a la Rembrandt, debruçada com um ar compenetradíssimo sobre um pedaço de pano cujas cores e listras lhe são vagamente familiar. Ao se aproximar, em vez de levar um tapa na orelha por estar sujando o chão, é recebido com um sorriso dócil e maternal, quase submisso, enquanto é comunicado com um suave sussurro:
-Estou pregando os botões da sua camisa, meu filho.
Ele se sente de volta ao útero. Se pudesse, cristalizaria aquele momento ali mesmo e ficaria eternamente a sorver a bem-aventurança do amor filial.
Conseqüentemente, ficará conectado ao seu espírito a idéia de que o ato de pregar um botão significa amor incondicional e sem reservas, provido ininterruptamente pela mãe ou pela esposa, que eventualmente é uma mãe postiça. Se ele próprio vier a ter que pregar os próprios botões, sentirá o pavor de não ser amado novamente nunca mais. Homens há que não se separam jamais de uma mulher porque ela prega os seus botões. Por outro lado, homens há que, só pelo fato de a mulher pregar os seus botões pensam que podem aprontar de tudo que não serão jamais abandonados. De uma forma ou de outra, vejam que grande vantagem é ter essa habilidade: deixa o cérebro livre para negociar a separação ou repensar a relação em bases mais racionais.

Portanto jamais a mãe do meu filho pregará um botão na camisa dele. Se eu permitir que isso aconteça, ele se acostumará a ter de volta os seus botões perdidos como num passe de mágica; jamais atinará na suprema arte da perseverança e disciplina que é enfiar a linha no buraco da agulha, nem na coordenação motora que é exigida para passar a agulha de um lado pro outro através do pano por dentro dos buraquinhos do botão sem furar o dedo, e nem na sensação de independência, autonomia e liberdade que é poder reconstruir a própria roupa sem mendigar auxílio de ninguém. Um verdadeiro Robinson Crusoe, e sem Sexta-Feira! Saberei que meu filho estará pronto para as batalhas da vida quando ele estiver pensando com os seus próprios botões. E quando chegar o inevitável dia em que ele for sair de casa para voar com as próprias asas, me despedirei dele com olhos marejados d’água e lhe direi, como um pai do filho pródigo às avessas:
-Filho meu, eis a tua maior herança: és um Dom Quixote sem ilusões e sem moinhos, toma aqui esse botão para que te sirva de escudo, e essa agulha para que te sirva de lança; vai e segue a linha da tua vida cingindo-te sempre com a armadura da tua camisa.

quarta-feira, julho 19

O ESCRIBA FARISEU

Olhaí pra vocês que dizem que eu implico com astrologia, eu já contei aqui a história do dia em que eu escrevi um horóscopo? Não? Pois foi assim:
Antigamente, antes da invenção dos computadores pessoais e da Internet, as palavras cruzadas, as tiras de quadrinhos, o jogo dos oito erros e o horóscopo do jornal nosso de cada dia eram enviados por uma agência especializada em distribuir essas coisas. Só que teve um dia que deu um bode lá no telex, no fax deles ou coisa que o valha, e a tal agência farrapou. O editor do Caderno C ainda era Marco Polo, e eu notei ele aperriado andando de um lado pro outro perguntando se já tinha chegado. Perguntei o que era, e ele me disse que estava na hora do fechamento e as coisas da agência não chegavam, já ligamos pra lá e tal e nada. O jogo dos oito erros, as palavras cruzadas e os quadrinhos podem ser reeditados com alguns do mês passado, mas o horóscopo não dá, senão avacalha e perde toda a credibilidade. Eu disse: deixa comigo, vai cuidar do fechamento da edição.
Nesse tempo eu era recém-casado e morava num apartamento térreo na Várzea, que tinha quintal com gramado e árvores e tudo, parecia uma casa. Assim como a minha querida amiga Mardoux, felinófila perante o Eterno, eu criava um monte de gatos e gatas, que iam procriando e iam ficando, e quando dei fé já era negócio pra bem uns dez. Minha esposa ficava puta da vida porque os gatos se infiltravam pelos combogós da sala e ficavam dormindo em cima do sofá, soltando pêlos, rasgando o estofamento, etc. Ela de vez em quando se arretava e corria a gataria na base de vigorosas vassouradas. E eu sabia que ela, apesar de intelectual e literata, dava uma olhadinha no horóscopo todo dia.
Sentei numa Olivetti, peguei uma lauda com timbre e marcação de linhas e sapequei um horoscopês básico nos outros signos (grandes expectativas, surpresas amorosas, dificuldades de comunicação, regente Mercúrio, aborrecimentos profissionais, etc.) e quando cheguei no dela, legislei em causa própria: "Você que é de Virgem, já é tempo de tratar melhor os animais domésticos, principalmente os felinos, que eram sagrados no Egito Antigo. Já foi cientificamente provado que acariciar um animal de estimação acalma os nervos e elimina o stress."
Por toda a eternidade os gatos do Recife vão ficar me devendo essa. Os meus continuaram a levar regularmente as suas vassouradas de praxe, só que, talvez, com menos vigor. Ainda devo ter esse recorte de jornal em algum lugar.

segunda-feira, julho 17

O NÚMERO E O GRAU DO GÊNERO

Tinha combinado com Naara de irmos ao cinema sábado à noite. Ela disse que ia estar no Burburinho no final da tarde pra conversar com uma amiga, de lá nos encontraríamos no Paço Alfândega, era só atravessar a rua. Como ela não aparecia, resolvi ligar, e ela disse que não tinha ido se encontrar com a tal amiga no Burburinho e estava em casa. Passei na casa dela e fomos pro Shopping Boa Vista. Depois do cinema (Carros, razoável, ainda não foi dessa vez que superaram Procurando Nemo) fomos pro Fiteiro tomar chope com kibe. Lotado, como sempre; e a primeira coisa que Naara nota, e me mostra, é uma longa mesa com umas dez mulheres conversando animadamente. Felizmente a espera foi curta, e nos instalamos numa mesinha lá nos fundos com os nossos primeiros copos que já tinham vindo. Lá pelas tantas do nosso papo, Naara sai com essa:
-E quer saber? Eu jamais sentaria numa mesa como aquela cheia de mulheres. Eu não tenho mais saco pra aturar mulher depois das oito horas da noite. Se quiserem conversar comigo, que marquem no final da tarde, ou no máximo até as sete. Depois das oito, só consigo conversar com homens.

terça-feira, julho 11

BAITS MOTEL

Comprei, Lilica, as tais das iscas. Marca Raid. Diz isso mesmo, que as coitadas das baratinhas comem aveia com mel, olha só que delícia, e levam de contrabando dentro delas o mais letal inseticida. De quebra, contaminam as outras irmãzinhas que esperam por elas no lar doce lar lá delas, seja lá onde for. E ainda aborta qualquer tentativa de gerar mais filhotas nas mamães grávidas. E dura três meses esse barato. Tou achando bom demais pra ser verdade, mas vamos ver o que acontece.

sexta-feira, julho 7

SOFA SO GOOD

Comprei finalmente o sofá de dois lugares, design anos 60, a la Tom & Jerry. O de três lugares quebrados foi levado deste para melhor pela minha assessora para assuntos culinários, lavanderísticos e faxinativos, e já foi devidamente consertado pelo marido dela, que ele o tenha em bom lugar. Confortável, e com o meu tamanho dá até pra dormir nele, os braços servem de travesseiro e apoio para as pernas. Ainda sobrou espaço ao lado pra botar uma estante que minha mãe me deu, uma relíquia da minha infância, toda impregnada de eternidade e de veneno para cupim. Agora sim o meu cafofo virou um lar. Só falta agora arranjar um cachorro fiel, um gato preguiçoso, um papagaio tagarela e uma namorada carinhosa. Mas antes de todos eles eu vou ter que arranjar é um cara pra fazer uma dedetização caprichada, que deu pra aparecer uma praga de baratinha miúda que não tem Baygon que dê jeito. A não ser, claro, que eu arranje um cachorro, um gato e um papagaio imunes a DDT ou uma namorada que simpatize com baratas.

domingo, julho 2

I'M JUST A PATSY!

Bom, pelo menos pra alguma coisa essa nova derrota pra França serviu:
pra acabar com essa crendice ridícula que o Brasil vendeu o resultado da final de 98. E o comprador tem até nome e endereço: a Nike. Ou seja, a Nike, querendo que França fosse campeã de todo jeito (sabe-se lá por que), e, é claro, sendo impossível derrotar o Brasil numa final de Copa (o Uruguai que o diga...) comprou todos os 25 jogadores da Seleção Brasileira, comissão técnica, roupeiros, etc. E nunca ninguém vazou nada porque foram muito bem pagos. Essa é muito boa. Qualquer moleque que bate peladas no meio da rua sabe que, ainda que fosse pelo dinheiro, os jogadores lucrariam muito mais com a valorização dos próprios passes e com publicidade sendo campeões do mundo. Sem falar da realização profissional, um lugar na história do futebol, etc. Os caras ganham milhões de dólares por ano e simplesmente resolveram jogar tudo isso pro alto porque a Nike acenou com mais alguns trocados. Só o brasileiro mesmo pra imaginar uma teoria mirabolante dessas. Nós não participamos de Copas, nós perdemos ou ganhamos Copas. Ser vice-campeão então é inaceitável, é caso pra demissão sumária do treinador e execração eterna dos jogadores.
O Brasil participou de sete finais de Copas do Mundo, perdeu duas, ganhou cinco. A Alemanha participou também de sete, ganhou três, perdeu quatro. Quem terá sido que comprou essas quatro finais da Alemanha? Nunca se ouviu falar de um alemão que levantasse essa hipótese. Os alemães acham que o seu time perdeu porque jogou mal ou , mesmo tendo jogado bem, o adversário jogou melhor ou aproveitou melhor as oportunidades. Esses alemães não entendem nada mesmo de teorias da conspiração no futebol.