VERSÃO DO DIRETOR
O texto a seguir surgiu de uma troca de e-mails com Biamorim, e que ela me aconselhou a editar e publicar no Blog porque gostou do que eu escrevi sobre o filme “Dogville”. Longe de mim ter envergadura cultural, literária e cinematográfica para desprezar uma opinião de tanto peso, tanto que decidi que publicaria na íntegra e sem cortes, assim não perderia o frescor (hum...) do momento em que foi escrito. Um esclarecimento e uma advertência: o “ela” da primeira frase refere-se a uma colega de faculdade de Bia; e quem ainda não viu Dogville não leia, porque eu comento o final do filme.
Pois é, ela não entendeu, e por isso não gostou e não quis
assumir porque é de "bom tom" gostar de Tarantino. Coitado de
Tarantino, foi humilhado com um bom mocismo cultural, como Nelson
dizia de escritores ex-malditos que ganhavam um Nobel. Pois eu
fui com minha mãe, e ela riu muito e gostou, porque ela sabia
exatamente do que se tratava, embora evidentemente não curtisse
esses tais filmes de karatê na década de 70. Gostou tanto que me
fez levá-la pra ver o Kill Bill 2. Aliás, eu acho que ele poderia
ter perfeitamente condensado a história toda num filme só. Mas
como ele virou um novo golden boy em Hollywood,a la Orson Welles,
a quem os produtores não fazem perguntas nem interferem, só
produzem caladinhos, ele poderia se dar ao luxo até de fazer uma
trilogia e lançar tudo no mesmo ano.
De Dogville pode-se dizer o que Jabor disse de Cidade de Deus,
que a gente não assiste, mas somos assistidos por ele. No caso de
Cidade de Deus porque somos brasileiros e moramos em cidade
grande, e em Dogville simplesmente porque somos humanos. Todo
mundo ali era filho da puta, inclusive o mocinho altruísta e a
principal vítima, que se deixava torturar pra se sentir
arrogantemente superior aos demais. O final é realmente
surpreendente, primeiro claro porque ela não era nada do que todo
mundo é levado a pensar, uma prostituta de luxo de um chefão da
máfia, e segundo porque, uma vez sabida a verdade, Von Trier não
quis europeizar nem existencializar o desfecho, ou seja, Grace
ficaria eternamente perdoando e se sentindo superior aos seus
algozes. Ela, num rasgo de humildade, mandou fuzilar a todos.
Adorei o detalhe do requinte de crueldade em fazer a analogia dos
filhos com os bonecos de porcelana. E tem até uma espécie de
citação subliminar ao célebre cachorro da Profecia na cena final,
como que pra enfatizar a natureza demoníaca do ser humano. O
cachorro pacato riscado de giz na calçada de repente vira aquele
sabujo feroz rosnando para a câmera que vem do alto, ou seja,
para Deus, que lá de cima via tudo. Lamento informar, mas somos
todos cidadãos do Mundo Cão Dogville. Tanto é que nos créditos
finais ele não bota Bach nem Vivaldi como no decorrer do filme,
mas um moderníssimo (em relação à Depressão dos anos 30, claro,
porque a música é dos anos 70) David Bowie cantando Young
Americans, com flashes da miséria americana de todas as épocas.
Quero ver mais Von Trier.
Pois é, ela não entendeu, e por isso não gostou e não quis
assumir porque é de "bom tom" gostar de Tarantino. Coitado de
Tarantino, foi humilhado com um bom mocismo cultural, como Nelson
dizia de escritores ex-malditos que ganhavam um Nobel. Pois eu
fui com minha mãe, e ela riu muito e gostou, porque ela sabia
exatamente do que se tratava, embora evidentemente não curtisse
esses tais filmes de karatê na década de 70. Gostou tanto que me
fez levá-la pra ver o Kill Bill 2. Aliás, eu acho que ele poderia
ter perfeitamente condensado a história toda num filme só. Mas
como ele virou um novo golden boy em Hollywood,a la Orson Welles,
a quem os produtores não fazem perguntas nem interferem, só
produzem caladinhos, ele poderia se dar ao luxo até de fazer uma
trilogia e lançar tudo no mesmo ano.
De Dogville pode-se dizer o que Jabor disse de Cidade de Deus,
que a gente não assiste, mas somos assistidos por ele. No caso de
Cidade de Deus porque somos brasileiros e moramos em cidade
grande, e em Dogville simplesmente porque somos humanos. Todo
mundo ali era filho da puta, inclusive o mocinho altruísta e a
principal vítima, que se deixava torturar pra se sentir
arrogantemente superior aos demais. O final é realmente
surpreendente, primeiro claro porque ela não era nada do que todo
mundo é levado a pensar, uma prostituta de luxo de um chefão da
máfia, e segundo porque, uma vez sabida a verdade, Von Trier não
quis europeizar nem existencializar o desfecho, ou seja, Grace
ficaria eternamente perdoando e se sentindo superior aos seus
algozes. Ela, num rasgo de humildade, mandou fuzilar a todos.
Adorei o detalhe do requinte de crueldade em fazer a analogia dos
filhos com os bonecos de porcelana. E tem até uma espécie de
citação subliminar ao célebre cachorro da Profecia na cena final,
como que pra enfatizar a natureza demoníaca do ser humano. O
cachorro pacato riscado de giz na calçada de repente vira aquele
sabujo feroz rosnando para a câmera que vem do alto, ou seja,
para Deus, que lá de cima via tudo. Lamento informar, mas somos
todos cidadãos do Mundo Cão Dogville. Tanto é que nos créditos
finais ele não bota Bach nem Vivaldi como no decorrer do filme,
mas um moderníssimo (em relação à Depressão dos anos 30, claro,
porque a música é dos anos 70) David Bowie cantando Young
Americans, com flashes da miséria americana de todas as épocas.
Quero ver mais Von Trier.