segunda-feira, março 21

LSD versus SOD

A droga alucinógena mais poderosa que existe não é o LSD, mas o SOD. Todo mundo é dependente do SOD, em menor ou maior grau. É simplesmente inescapável. Para ir ao teatro, ao cinema, à igreja, ao restaurante, ver tv, e até se apaixonar (ou talvez principalmente para se apaixonar), precisamos de generosas doses de SOD. LSD significa "Lysergic Acid Dyethylamide", e não me perguntem porque raios a sigla não é LAD. Talvez porque se assim não fosse os Beatles não poderiam jamais compor "Lucy in the Sky with Diamonds". Já o SOD, como algumas das minhas sagazes leitoras já devem ter deduzido, trata-se do famoso "Suspension Of Disbelief", expressão que significaria mais ou menos “suspensão de incredulidade”. SOD é de fabricação caseira, cada um fabrica o seu próprio suprimento no seu próprio espírito, e é auto-administrada consciente ou inconscientemente no juízo de cada um. Para ir ao teatro precisamos de doses maiores de SOD do que para ir ao cinema, uma vez que o cinema pode se dar ao luxo de exibir cenários verdadeiros, embora intangíveis. E o cinema americano, que inventou a imagem digital para dar curso à sua obsessão fundamentalista com o hiperrealismo, nos mostra agora dinossauros idênticos aos de verdade. Como se não bastasse, pra varrer de vez a droga SOD das telas, inventaram recentemente um tal de “reality show” na televisão, sendo “A Bruxa de Blair” seu correspondente no cinema. Só que o tiro saiu pela culatra: é necessário muito mais SOD pra acreditar que aquela menina botou a lanterna na cara por acaso e não para criar um efeito aterrorizante enquanto chorava.
Ou, para citar um exemplo mais próximo de nós e mais atual, são necessárias doses maciças de SOD pra acreditar que os participantes do “reality” show Big Brother Brasil estão falando e agindo espontaneamente, e que assistir ao programa é como se estivéssemos espiando secretamente pelo buraco de uma fechadura. Ora, a única razão pela qual eles estão ali é que são fanáticos pelo programa, fizeram vídeos caseiros implorando para participar, obviamente assistiram às edições anteriores, sabem todas as regras de cor e salteado, como a opinião pública reage a essa ou aquela faceta de personalidade, e estão carecas de saber que todos os recantos da casa estão sendo monitorados por câmeras escondidas. Será que quando eles adentraram a tal casa eles se transformaram automaticamente em zumbis mongolóides? Teriam que ser no mínimo débeis mentais irreversíveis pra falar ou fazer coisas que comprometessem a sua permanência no programa e perder um milhão de reais. É evidente que trata-se de apenas mais uma noveleta de tv, roteirizada e dirigida para vender sabonetes, com quotas de publicidade caríssimas por conta da enorme audiência que é atraída pela ilusão de estar testemunhando um jogo aleatório. O apresentador veste-se rigorosamente de modo casual e chega a usar óculos, coisa que jamais faria se estivesse apresentando, digamos, o Jornal Nacional.
Como o LSD, o SOD precisa ser controlado. Como nesse caso é impossível ser controlado pelo governo ou pela Polícia Federal, cabe a cada um dosar a sua cota diária. Pessoas inteligentes administram consciente e cuidadosamente, e sabem a hora de parar, e as pessoas burras se refestelam e tomam overdoses até se tornarem ridículas ou quebrarem a cara. Conta-se que o ator britânico Laurence Olivier foi atuar na Broadway na peça “Les Miserables”, e Dustin Hoffman chegou atrasado no ensaio porque tinha passado a noite dormindo debaixo dos viadutos com mendigos nas frias ruas de New York para poder se preparar para atuar na peça. Olivier, do alto de sua experiência, aconselhou: -Meu filho, finja!
Ou ainda quando foram dizer a Millôr Fernandes que estava em curso experimentos nos laboratórios de Hollywood para fazer um filme no qual os atores seriam tridimensionais, andariam no meio da platéia e interagiriam com os espectadores, os quais poderiam apalpá-los, cheirá-los e inclusive convidá-los para jantar no final do espetáculo. Millôr respondeu que os gregos já tinham inventado isso há cinco mil anos e chamaram de teatro.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

sensacional a do Millôr.

12:18 PM, março 23, 2005  

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