quinta-feira, março 31

VERSÃO DO DIRETOR

O texto a seguir surgiu de uma troca de e-mails com Biamorim, e que ela me aconselhou a editar e publicar no Blog porque gostou do que eu escrevi sobre o filme “Dogville”. Longe de mim ter envergadura cultural, literária e cinematográfica para desprezar uma opinião de tanto peso, tanto que decidi que publicaria na íntegra e sem cortes, assim não perderia o frescor (hum...) do momento em que foi escrito. Um esclarecimento e uma advertência: o “ela” da primeira frase refere-se a uma colega de faculdade de Bia; e quem ainda não viu Dogville não leia, porque eu comento o final do filme.



Pois é, ela não entendeu, e por isso não gostou e não quis
assumir porque é de "bom tom" gostar de Tarantino. Coitado de
Tarantino, foi humilhado com um bom mocismo cultural, como Nelson
dizia de escritores ex-malditos que ganhavam um Nobel. Pois eu
fui com minha mãe, e ela riu muito e gostou, porque ela sabia
exatamente do que se tratava, embora evidentemente não curtisse
esses tais filmes de karatê na década de 70. Gostou tanto que me
fez levá-la pra ver o Kill Bill 2. Aliás, eu acho que ele poderia
ter perfeitamente condensado a história toda num filme só. Mas
como ele virou um novo golden boy em Hollywood,a la Orson Welles,
a quem os produtores não fazem perguntas nem interferem, só
produzem caladinhos, ele poderia se dar ao luxo até de fazer uma
trilogia e lançar tudo no mesmo ano.
De Dogville pode-se dizer o que Jabor disse de Cidade de Deus,
que a gente não assiste, mas somos assistidos por ele. No caso de
Cidade de Deus porque somos brasileiros e moramos em cidade
grande, e em Dogville simplesmente porque somos humanos. Todo
mundo ali era filho da puta, inclusive o mocinho altruísta e a
principal vítima, que se deixava torturar pra se sentir
arrogantemente superior aos demais. O final é realmente
surpreendente, primeiro claro porque ela não era nada do que todo
mundo é levado a pensar, uma prostituta de luxo de um chefão da
máfia, e segundo porque, uma vez sabida a verdade, Von Trier não
quis europeizar nem existencializar o desfecho, ou seja, Grace
ficaria eternamente perdoando e se sentindo superior aos seus
algozes. Ela, num rasgo de humildade, mandou fuzilar a todos.
Adorei o detalhe do requinte de crueldade em fazer a analogia dos
filhos com os bonecos de porcelana. E tem até uma espécie de
citação subliminar ao célebre cachorro da Profecia na cena final,
como que pra enfatizar a natureza demoníaca do ser humano. O
cachorro pacato riscado de giz na calçada de repente vira aquele
sabujo feroz rosnando para a câmera que vem do alto, ou seja,
para Deus, que lá de cima via tudo. Lamento informar, mas somos
todos cidadãos do Mundo Cão Dogville. Tanto é que nos créditos
finais ele não bota Bach nem Vivaldi como no decorrer do filme,
mas um moderníssimo (em relação à Depressão dos anos 30, claro,
porque a música é dos anos 70) David Bowie cantando Young
Americans, com flashes da miséria americana de todas as épocas.
Quero ver mais Von Trier.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Puxa tio, e eu que pensava que entendia de cinema... fiquei me sentindo um ignorante com a sua visão do filme...
apesar de ter gostado muito de dogville, agora eu vi que deixei passar muita coisa. acho que vou assistir de novo
gostei muito do seu blog! vou ficar assiduo!
abraçao!

11:19 AM, março 31, 2005  
Blogger Blogart said...

Se todo ignorante fosse feito tu, o mundo estava salvo...
Aeh, rapah! Apareça sempre!

3:41 AM, abril 03, 2005  
Anonymous Anônimo said...

eu te disse, eu te disse. :P

8:04 PM, abril 03, 2005  
Anonymous Anônimo said...

vamos atualizar, Jece?

3:09 PM, abril 05, 2005  

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