sábado, abril 26

A VOLTA DOS MORTOS-VIVOS

Quando, depois de uns piripaques, o meu DVD finalmente pifou de vez, resolvi que era hora de fazer uma visita às oficinas em geral, de imagem, carro e som. Isso porque o meu CD também estava em greve geral. Mas na última testada antes de desconectar pra levar pra oficina ele resolveu voltar do coma por conta própria. Então só precisei levar o DVD no carro que também ia fazer uma visita ao médico, a propósita da beleta (sim, agora sei o nome).

Quando estava na oficina do DVD, me liga a minha amiga Sofia, me perguntando onde eu estava, e marcamos de nos encontrar na assistência técnica do DVD pra tomar um café no final da tarde, depois da peregrinação pelas oficinas.

DVD consertado (foi fácil e barato, era só trocar a fonte), toca pra oficina de carros, pra botar de volta a bendita beleta. O sol já se punha, e o ocaso já espalhava o seu manto purpúreo pelo céu que nos protegia (com licença, Bertolucci), e eis que, num sinal fechado de um cruzamento agitado de uma avenida principal, emerge das sombras, vagando errante na nossa frente, uma múmia envolta em gazes ancestrais e fétidas, só com a boquirrota boca de fora, segurando uma enorme bolsa de sangue coagulado com um tubo ligado ao seu corpo pútrido, à guiza de transfusão a céu aberto, e guiado por uma mulher que parecia ter saído direto das páginas de "Morte e Vida Severina".

Minha amiga cobriu os olhos com as mãos e soltou um grito: -Sangue de Cristo tem poder!!!

Creio ter ouvido na rádio CBN outro dia que existem ONGs agora interessadas em orientar a população a não dar esmolas em sinais de trânsito, para não perpetuar gerações e mais gerações de pedintes que deveriam estar nas escolas ou em albergues. Olha aí, existem ONGs honestas também. Eu mesmo ando evitando dar moedas a crianças que vendem pastilhas e lavadores de pára-brisas, a não ser quando estou bem-humorado e com algo a celebrar, que, a bem da verdade, não é tão raro assim, pois eu celebro qualquer coisa. E ainda uso a desculpa de pensar que eles pelo menos estão fazendo alguma coisa, prestando algum serviço, não estão meramente parasitando a misericórdia alheia. Me irrita quando simulam algum tipo de ferimento ou expõem ostensivamente algum aleijão, como se isso fosse impedimento para se ganhar a vida honestamente com o suor do próprio rosto.

Mas confesso que nunca tinha visto nada nem remotamente parecido, esse superou todas as expectativas. O cara parecia ter fugido de uma UTI para queimados em incêndios, ou sido atropelado por um trem desgovernado. A mulher, com a mão estendida de pedinte, o guiava por entre os carros como a um cego, pois ele tinha também os olhos vendados, e só não tateava na escuridão porque com a outra mão tinha que segurar a enorme bolsa de transfusão de sangue. Realmente agora a coisa está chegando às raias do teatro do absurdo, pois se aquele cidadão estivesse com metade do que aparentava, já teria morrido de infecção generalizada há muito tempo, ainda mais num trânsito caótico e fumacento daqueles.

Passado o susto inicial, quase que vamos nós próprios pra UTI de tanto rir, aceleramos pra oficina, trocamos a beleta e fomos para um café celebrar o fim do Dia-da-Volta-dos Mortos-Vivos, mecânicos e humanos.

domingo, abril 13

REBIMBOCA DA PARAFUSETA

Indoutro dia o meu carro começou com um barulhinho estranho na roda dianteira da esquerda. Barulhinho vai, barulhinho vem, fui adiando, e eis que um dia, ou melhor, uma noite, o barulhinho recrudesceu, virou um barulhão e travou a roda. E eu estava numa rua remota, em um dia de domingo bem tarde da noite, sem sinal de vivalma ao redor, posto de gasolina e oficina então nem pensar. Fui pra frente, dei uma ré, fiz uma reza, e depois de alguns ruídos de parafusos e porcas sendo passados num liquidificador e um estridente som metálico, a roda fica livre. Desci do carro e fui ver o estrago. Me deitei no chão e fui fuçar embaixo do carro. Aparentemente normal, o único estrago evidente era a grande mancha de lama na minha roupa. Foi quando eu dei fé de uma haste metálica de uns trinta centímetros a alguns metros do carro. Fui pegar pra ver se era alguma peça do carro que tinha caído. Estava quente, era. Pronto, agora deu. E como vou pra casa agora sem saber de onde veio essa peça, e muito menos recolocá-la de volta? Mas eis que veio um anjo do Senhor numa carruagem branca me socorrer e trazer a respostas para os meus temores. Dei com a mão, parei o táxi e perguntei se ele sabia o que raios vinha a ser aquela peça, e, claro, se eu poderia ir pra casa sem a presença da mesma nas entranhas do meu carro. Era uma haste sólida e cilíndrica, com encaixes redondos de borracha nas duas pontas. O taxista olhou, reolhou, mirou de encontro à luz de um poste, e finalmente disse que não fazia a menor idéia. Das duas uma: se um taxista não sabe o que é, ou não há de ser nada ou o caso é muito grave. Optei pela primeira opção e fui dirigindo, muito ressabiado, a 40 por hora no máximo de volta pra casa.

No outro dia fui numa oficina perto de casa e o mecânico me disse que se tratava de uma rebimboca da parafuseta. O nome não era bem esse, era um pouco menor, mas também terminava em "eta". Calma, maliciosos, não estou omitindo o nome da peça por pudor, é que eu esqueci mesmo. Só lembro que ele disse que tinha a ver com a estabilidade do carro, e que eu poderia andar normalmente, só iria perder um pouco a estabilidade na roda esquerda, que eu não fizesse nenhuma viagem longa, mas que pra rodar na cidade não traria maiores problemas. Desde então eu ando com esse cilindro metálico no painel do carro, que é pra me lembrar de ir mandar botar outra. Se os caras se deram ao trabalho de fabricar, deve ser importante para alguma coisa, afinal, fabricantes de carros não são chegados a adereços supérfluos, pelo menos não na parte mecânica. Toda vez que eu vou fazer uma curva para a direita, que é quando eu preciso de estabilidade na roda esquerda, ela fica de lá me olhando, só esperando o momento da tragédia, para finalmente me dizer:
-Eu não disse?