sábado, novembro 4

MUITO SIMPLES

Minha mãe me disse que quando eu fosse pra casa dela no feriado de finados eu levasse uns filmes, o livreto do plano odontológico e algumas penas, que ela ia receber clientes no outro dia. O livreto não achei, peguei uns filmes que eu tinha comprado recentemente e selecionei num vidrinho vazio de geléia algumas penas do tipo que eu achava que ela iria precisar. Cheguei, jantamos os três, eu, ela e minha sobrinha que mora com ela, vimos um filme e fomos dormir. No sexta-feira acordo ao meio-dia e dou de cara com Gisele Bundchen na sala. Esfreguei os olhos, pensei ainda estar dormindo e fui pra cozinha fazer café, ou melhor, pedir pra Ivone, a empregada, fazer. Quando voltei pra sala, não era mais Gisele, era Sharon Stone, ou Julia Roberts, ou coisa ainda mais bonita, em suma, uma linda e enorme mulher. Só então notei que tinha uma senhora perto dela, devia ser a mãe, e ambas conversavam com a minha mãe sobre como deveria ser a caligrafia dos convites do casamento, se mais juntinhas as letras, se mais separadas as linhas, se mais assim, se menos assado. Mandei servir café pra ambas (só a mãe tomou) e resolvi meter o bedelho, afinal de contas eu também sou calígrafo. A linda noiva foi logo me advertindo que era uma pessoa muito simples, mas muito exigente na sua simplicidade. Então tá. A mãe, que me achou muito simpático, ela mesma me disse depois, me perguntou se eu era o grande cartunista (minha mãe devia ter me entregado), que é isso, que grande que nada, há quanto tempo trabalha no jornal, 17 anos, uma vida, né, pois é, uma vida. Enquanto a linda noiva tagarelava com a minha mãe, a mãe da linda noiva ia conversando comigo, e conversa vai conversa vem, descobrimos que trabalhamos ambos na mesma empresa uma vez, um grande banco agora já falido, ela como secretária executiva de um diretor e eu como ilustrador na divisão de treinamento. Mundo pequeno. Depois ela me esclareceu que a filha tinha uma personalidade muito forte e queria as coisas tudo exatamente do jeito dela. De nada adiantou o pai aconselhar a ela fazer uma festa só com champanhe e bolo, como tinha sido o casamento dele, e usar o dinheiro para montar o apartamento: ela preferiu se mudar pra um apartamento quase vazio mas contanto que a festa fosse de arromba. Já ia em 450 convidados. Mas cada um tem seu sonho, né, cada pessoa pensa diferente, e ela me diz que pelo menos pensa que está casando para sempre e uma vez só, mas deve ser mesmo, já namoram há oito anos, é uma coisa já bem sólida, então deixa ela fazer do jeito que ela quer. Comentei que até a roupa do noivo devia ter sido ela quem escolheu. A linda noiva largou minha mãe por um instante e respondeu que claro, imagina se eu ia deixar ele escolher, ele reclamou e disse que não ia ver a minha roupa antes, porque que eu iria ver a dele, mas eu disse que era melhor não ter a surpresa do que ver ele entrar na igreja com uma roupa horrorosa. Não consegui atinar como seria uma roupa horrorosa para um noivo, certamente sutilezas há que escapam aos olhos leigos. Disse à mãe da linda noiva que todo noivo tem que se conformar com o papel de acessório que ele tem num casamento, assim mais ou menos como o bufê, o padre, a orquestra e o fotógrafo. A grande estrela é sempre a noiva.
A linda noiva perguntou se eu conhecia uma jornalista amiga dela, na verdade não exatamente amiga, mas que foi casada com um amigo do noivo dela. Eu disse que sim, que tinha até ido pra um aniversário dela bem original, ela botou todos os convidados dentro de um ônibus e saiu sem dizer a ninguém onde iria ser a festa. Fomos todos parar em Porto de Galinhas. Ah, que legal, uma outra amiga minha também queria fazer a festa de casamento dela assim, botava todo mundo em uns cinco ônibus e ia levar todo mundo pro Trem do Forró. Mas a sogra dela só faltou morrer e terminaram desistindo. Quando eu disse a ela que ia casar no Monte Guararapes, ela ficou dizendo mas que coisa tão tradicional! Sabe onde ela terminou casando? No Monte Guararapes! E terminou que eu nem achei vaga no Monte Guararapes, vou casar na Basílica do Carmo.
-Ah sim , lá na Dantas Barreto, bela igreja. Eu acho a capela da Jaqueira também muito bonitinha.
-Ah, também acho, mas é muito pequenininha, não cabe ninguém.
-Ah, é verdade, 450 convidados.
A linda noiva discorreu sobre as dificuldades de se fazer uma lista de convidados, ela só iria convidar as pessoas do círculo íntimo da família, mas só que a família era muito grande. E a maioria dos convidados tinha família grande também. Por outro lado, alguns convidados nunca teriam uma família tão grande assim, pois eram casados com pessoas do mesmo sexo. O que gerou um certo desconforto na hora de botar os nomes nos envelopes: Fulano de Tal e namorado, Fulana de Tal e namorada. O pai achou um absurdo, e o noivo ponderou se não seria melhor botar Fulano de Tal e acompanhante. Breve saberemos qual opinião prevaleceu, se a dos machões autoritários ou a da linda noiva muito simples, porém muito exigente na sua simplicidade.

2 Comments:

Blogger Mandrey said...

mas se ela era Simplesmente Gostosa, porque não atendê-la em todos os detalhes?

10:55 AM, novembro 14, 2006  
Blogger Blogart said...

Simplesmente gostosa é um eufemismo. Acho que ela foi atendida sim, e em todos os detalhes.

2:29 PM, novembro 16, 2006  

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