domingo, dezembro 25

A NOITE É UMA CRIANÇA

Acordo sexta-feira pré-natal e tem ligação de Robertão. Não vai dar pra ir, Robertão, me desculpa aí com Vítor; mas estão todos te esperando aqui com camisas da Capitão Gancho; puxa vida, mas vou me encontrar com o editor no Paço Alfândega, revisão final dos impressos do Morte e Vida; beleza, então a gente se vê no Garrafus. Com Sidney no Bonaparte do Paço, cafés expressos, eis aí o teu filho, nosso filho, ficou muito bonito, mais uma rodada, sem chantili dessa vez, coisa mais de baitola é essa, Sidney é cearense, educado aos pés de Patativa do Assaré, tu ainda não tens o meu romance, não, agora tem, na dedicatória: depois eu vou perguntar se já leu, gim. Do Paço vou na redação semi-deserta, ainda não chegaram os exemplares da imprensa, tiro graninha no bradesquinho, toca pra Boa Viagem pra buscar a minha carteira de jornalista que deixei empenhada no Boteco. Semana passada eles não tinham Visa Eletron e nem eu tinha dinheiro, vou aproveitar pra revisar, página por página, os exemplares que me couberam nesse latifúndio, a primeira leva sempre tem mais erros. Não tem vaga, mas de qualquer forma é muito escuro lá mesmo, vou acampar meu circo no McDonald's. Criancinha louríssima choramingando atrás de mim, o pai pergunta onde eu comprei esse livro de João Cabral. Não está à venda, vai ser distribuído como brinde de Natal da Fundação Joaquim Nabuco; sou do Rio Grande do Sul, já fui editor do Globo Repórter e o conheci pessoalmente no Rio, daqui do Pernambuco já saiu muita gente boa, menos o Lula, né; "do" Pernambuco é foda, e Lula ainda é pernambucano? pensei que tínhamos cedido o passe dele pra São Paulo. Pois tome aqui, o primeiro a ser dado vai ser o seu; muito obrigado, Joaquim, vai ser o único presente de Natal que ganharemos, estamos longe de casa; Joaquim não, Leugim; desculpe, eu li errado aqui na capa, bote seu telefone aí, eu tenho amigos, nunca se sabe, essas coisas acontecem assim meio por acaso, né? Foi-se levando a lourinha choraminguenta e a mãe menos loura mas de olho igualmente azul. Elis liga de judeu, eu ligo de volta pra Elis e ela diz que não vai pro Garrafus porque prefere ir amanhã pro Burburinho. Tem certeza, depois a gente vai pra madrugada do shopping; tenho, tou com sono. Chego no Garrafus, Jô Pinto na bateria, Morcegão gripado e Biu com tendinite, Leo vai tocar e cantar e Robertão no baixo, El Mocambo, Capitão Gancho e Saurius misturados. Encontro com Manu e Tonca, marido de Manu e ex-guitarrista da Querozene Jacaré, de volta do Paraná, vai de vez com a família toda em janeiro, Manu, vem cá, deixa eu ir pegar um negócio ali no carro, dedicatórias mil, agora te peguei, vi o de Manu e fiquei com inveja, ela disse que não vai ser vendido, por favor, dedica um pros meus filhos, eu quero que eles leiam coisa boa. Vá lá, por uma boa causa. Que bom, antes de Tonca e Manu irem embora de vez, vão ouvir a gente pré-estrear "Since I've Been Loving You", agora a Capitão em peso no palco com a chegada de Mário. Tonca veio pedir em nome da mesa dele "I Put a Spell On You", beleza, também vai rolar. Fim do show, todos pro shopping ver o show de Natacha, com "c" mesmo e com com Lucas irmão de Leo na bateria. Chegamos, tudo lotado, estacionamento de graça, queria o quê, onde é o show? Liga pra Leo, onde é o show? na praça de alimentação velha, toca pra praça velha, não vai ter show, foi só a gente passar o som e já teve gente cercando e fazendo zoeira, os caras tão com medo, teve briga lá no espaço do DJ. Isso aqui tá um carnaval de Olinda, é, literalmente quase, até troça com orquestra de frevo e tudo tá rolando por aí, o shopping, às três e meia da manhã, surreal, é, eu e Mário já vimos e já pulamos atrás. Natacha diz pra irmos circular. Liga Leo e o outro Lucas, o que não é o irmão de Leo e é baixista da Saurius, pergunta como está a coisa, eu digo como a coisa está, ele pergunta se tem mulher gostosa, digo que que tem muita, e que estou de braços dados com a mais gostosa de todas, Natacha, que segura no meu braço, e ri, não sei como, ela que deve ouvir isso mil vezes por dia. Eu digo que ela tem um nariz lindo, e ela ri de novo. Natacha empina o nariz aerodinâmico e faz o gesto de polegar em direção à boca: quer beber. Então todos à praça do chopp, eu não tenho bem certeza se existe essa praça, mas lembro vagamente de um espaço no meio do corredor onde tinha um chopp escuro igual ao do Boteco. Nosso grupo de uns oito ou nove anda pra lá, anda pra cá e chega no tal corredor, e um dos restaurantes tinha uma grande algazarra de gremistas cantado o hino do clube, até a pé nós iremos, invasão dos gaúchos? e tomando chopps gigantes. Onde que serve aquele chopp, não é aqui, só lá, pois é dele que queremos, junta essas mesas aí, pega mais cadeira, três chopps daqueles, quanto é, 12 reais? Mas é 1 litro e duzentos, é o equivalente, sai até mais barato. Chegaram os chopps, Natacha nem conseguiu levantar o dela, trocou com Lucas de Leo por uma tulipa normal, que agora parecia ridiculamente minúscula. Mário diz que fui falar do nariz de Natacha e agora ele não consegue tirar os olhos dele. Brindamos os superchopps e eu dei um supergole no meu, pra me amostrar. Consegui, todo mundo notou admirado que o meu copo deu uma baixa considerável. Mais uns quatro ou cinco goles caprichados e eu esvazio o balde de vidro. Surpresa: a mesa dos gremistas me aplaude com grande estardalhaço. Pronto, estava estabelecida a parceria competitiva, quando um de lá zerava a espuma a gente respondia com igual algazarra. Daí a pouco estava todo mundo pedindo o tal chopp pra ver em quantas goladas conseguia enxugar. Eu, que já tinha ficado bêbado com o primeiro, tive que dividir o meu segundo com Lucas baixista, e que ficou tão bêbado também que seguimos Natacha ao banheiro das mulheres quando ela foi fazer xixi. Lucas fez xixi também no banheiro das mulheres, sob olhares divertidos das que estavam dentro, e eu segui Natacha até a porta de vidro fosco da cabine, que ela segurava com toda a força que lhe restava do riso. Quando voltamos estavam todos vaiando e aplaudindo a tudo e a todos, e ai da mulher que passasse de minissaia no primeiro andar que dava vista pro corredor, era um barulho ensurdecedor. Começou a juntar gente ao redor do corrimão, e escolhíamos alguma mulher pra expulsar com gritos de "desce, desce!",ou algum homem pra provocar com gritos de "veado, veado!". Saímos de lá às sete e meia, dia claro e sol quente. Sete e meia da noite, quando acordo, Elis me liga e diz que foi uma pena ela não ter ido ao shopping comigo: várias amigas e amigos dela ligaram no dia seguinte contando de uma turma de bêbados que tomava chopps enormes e passava o tempo todo tirando onda com todo mundo.