segunda-feira, maio 30

Allegro Ma Non Troppo

Eu sempre achei, e devo já ter dito numa das minhas e-pístolas a algumas das donzelas que frequentam esse meu humilde porém sincero lago de narciso, que pelo menos na esfera dos concertos de piano, Rachmaninov é um Mozart que enlouqueceu. Pois não é que fizeram um filme sugerindo exatamente (sugerir exato é dose) isso? Pelo menos para mim, que já tinha essa idéia fixa pendurada no trapézio do meu juízo. O filme é aquele "Shine", que eu nunca tinha assistido porque achei o tal pianista, o de verdade, muito do chatinho, indo tocar na festa do Oscar com a maior cara de pau, todo metido a bobo alegre, americanalhice pura. O ator que fez o papel dele até que é bom, um tal de Geoffrey Rush, mereceu ganhar o Oscar de 1996, apesar dos gringos se sentirem na estranha obrigação de dar Oscar a todo ator que interpreta doido ou aleijado. Porisso mesmo, como todo mundo já sabia que Rush ia ganhar, convidaram o tal debilóide virtuoso pra dar uma canja. A crítica especializada caiu de pau em cima dizendo que o pianista nem era essas pregas de Odete todas, e nesse puxa-encolhe eu terminei desprezando olimpicamente o filme. Minha santa mãe me compra o dvd no sábado passado e insiste que eu tenho que assistir porque o filme é a minha cara e se eu não gostar é porque ela não me conhece. Com uma premissa dessas, não tinha jeito. De fato melecaram de xarope um pouco menos do que eu pensava que iam melecar, dá pra assistir. O pai do tal menino-prodígio pianista era um neurótico de guerra e fissurado em Rach, e queria que o filho tocasse o Concerto para piano n0 3, o preferido dele. O professor do pirralho disse pra ele não ousar fazer isso, que ele não estava pronto pra tocar Rach, vamos começar com um Mozartzinho de leve. Foi o que fizeram, mas o pai do guri passava o dia todo ouvindo Rach na vitrola, e quando ele cresceu e teve que escolher um concerto pra um recital, escolheu justamente o terceirão de Rach, uma pedreira, pra agradar ao pai, com quem tinha rompido. Não deu outra: quando acabou a última nota, caiu durinho pra trás e já saiu direto pro eletrochoque no Tamarineira Palace Hotel. Despirocou a rebimboca da parafuseta e nunca mais se aprumou. Se fosse ficção já seria de arrepiar, mas foi verdade verdadeira, a família do cara tá lá nos créditos como colaboradora. É, minha fia, num tou dizendo, Rach só bota pra arrombar. Falar nisso, recebi de um dos membros da comunidade orkutiana "Rachmaninov" uma manada de concertos em MP3 tocados e regidos pelo próprio Rach em carne e osso. Se alguém quiser, é só pedir, mas tem que abrir um G-Mail, porque é mega que não acaba mais.

Outro filme do fim-de-semana foi o "Melinda e Melinda", onde me desencontrei com Rainman Raymond. É Woody Allen contradizendo o velho ditado "se você gosta de salsichas, não deve ver como elas são feitas". Ele deve ter muita fé no próprio taco, porque mata a cobra do drama e mostra o pau da comédia, se expondo como o mágico que revela como faz o truque, mas pisca um olho pro espectador e diz: fica sentadinho aí que ainda tenho alguns coelhos na cartola. Quem pode, pode.